Há décadas, o alívio da dor no infarto agudo do miocárdio (IAM) tem sido feito com opioides, que leva a redução da demanda de oxigênio pelo coração por meio da redução da resposta simpática. Recentemente foi descrita interação entre esse tipo de medicação e os inibidores de P2Y12, como ticagrelor, que ficam com sua absorção reduzida, levando a atraso na antiagregação plaquetária e redução dos níveis séricos da medicação. O mecanismo envolvido parece ser a gastroparesia induzida por opioides. Baseado nisso, foi feito um estudo que avaliou o uso de lidocaína endovenosa como analgésico em pacientes com IAM com supradesnivelamento do segmento ST.
Métodos
Foi estudo de fase II, prospectivo, de não inferioridade, aberto, randomizado e controlado. Os pacientes incluídos eram os maiores de 18 anos com suspeita de IAM com supradesnivelamento do segmento ST e escore numérico verbal de dor de pelo menos 5 de um total de 10 de pontos.
Os critérios de exclusão eram uso de opioide de forma regular ou previamente à randomização, alergia a uma das medicações, frequência cardíaca menor que 50 bpm, parada cardiorrespiratória extra-hospitalar ou choque cardiogênico, história de epilepsia, doença renal ou hepática ou dependência para atividades diárias.
Os pacientes eram randomizados para o grupo lidocaína ou fentanil. No grupo lidocaína recebiam 50 ou 100 mg (quando tinham menos ou mais que 70 kg respectivamente), via endovenosa, em 2 min. A dose poderia ser repetida a cada 15 minutos se necessário, até um máximo de 150 mg ou 300 mg a depender do peso. Caso o paciente mantivesse dor poderia receber fentanil. O grupo fentanil recebia 50 µg a cada 5 minutos conforme necessário.
O desfecho primário de eficácia foi a redução da dor, baseada nos valores da mediana do escore numérico verbal da chegada ao hospital. O desfecho de segurança foi a ocorrência de reações a medicações.
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Resultados
Do total de 2.464 pacientes passíveis de inclusão entre outubro de 2020 e julho de 2021, 308 foram randomizados. Desses, 257 (83%) receberam angioplastia primária. Os que não receberam tinham diagnósticos alternativos: IAM sem supradesnivelamento do segmento ST, pericardite ou miopericardite, dor não cardíaca, síndrome de Takotsubo e insuficiência cardíaca descompensada.
As características entre os grupos foram semelhantes, assim como o número de angioplastias, o tempo porta balão e o tempo do sintoma até a intervenção. A dose média de fentanil utilizado foi de 110 µg e de lidocaína 200 mg. Mais pacientes do grupo fentanil necessitaram de antieméticos (44% x 28%, p = 0,003) e os sinais vitais na chegada ao hospital foram semelhantes entre os grupos.
A mediana de redução do escore numérico verbal de dor foi de 4 no grupo fentanil e 3 no grupo lidocaína, sem critérios de não inferioridade para a lidocaína. A ocorrência de reações adversas com necessidade de intervenção foi de 49% no grupo fentanil e 36% no grupo lidocaína, com diferença estatística. Não houve diferença no pico de troponina ou na área do infarto vista na ressonância entre os dois grupos.
Comentários e conclusão
Neste estudo, apesar de ter havido redução da dor com lidocaína (mediana de queda de 3 pontos, comparado a 4 pontos com fentanil), não houve critérios para não inferioridade. Sabemos que a diminuição ou até resolução completa da dor não influenciam no prognóstico do paciente e, como a lidocaína tem significativamente menos efeitos adversos que o fentanil.
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Mensagem prática
Além de ter o benefício de não interferir na absorção do antiplaquetário, pode ser que seja uma opção em casos selecionados, principalmente se associado a outros analgésicos. Porém, mais estudos são necessários para utilizarmos a lidocaína como analgésico em casos de infarto agudo do miocárdio (IAM).