AAS na prevenção primária após o ESC 2018: o que mudou?

É indiscutível o papel do ácido acetilsalicílico (AAS) na prevenção secundária de eventos cardiovasculares. mas saiba o que mudou após o ESC 2018:

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É indiscutível o papel do ácido acetilsalicílico (AAS) na prevenção secundária de eventos cardiovasculares, isto é, em quem já teve IAM ou AVCi. Por outro lado, há um debate sobre o risco x benefício da droga na profilaxia primária. Em 2017, trouxemos resultados de um artigo de revisão recente da Medical Clinics of North America. Nesta atualização de conteúdo, vamos agregar os resultados de dois importantes estudos que foram publicados durante o Congresso Europeu de Cardiologia (ESC) 2018.

Pensando em profilaxia primária, o primeiro passo é a estimativa do risco cardiovascular. Diversas calculadoras estão disponíveis, porém a mais utilizada mundialmente é o escore global de risco de Framingham. Atenção aqui: o escore original de Framingham estimava o risco de doença coronariana em 10 anos. O novo “escore global” estima o risco de AVC, IAM, doença arterial periférica e IC e, por ser mais completo, é o indicado e disponível no WB.

Outro fato é que no Brasil a Sociedade Brasileira de Cardiologia recomenda como calculadora esse “escore de risco global”, assim como a ESC. Só que a USPSTF traz como recomendação a calculadora americana da AHA/ACC (ASCVD). Diversos estudos têm criticado esta ferramente norte americana por ter pouca validação externa e uma possível superestimativa do risco cardiovascular real. Em um dos nossos podcasts, discutimos como fazer esta avaliação; confira!

De qualquer forma, ao final todas as calculadoras fornecem a classificação do paciente em baixo, médio, alto ou muito alto risco e é esta informação que definirá a indicação ou não de AAS e estatina como prevenção primária.

Além dos efeitos cardiovasculares, é importante ressaltar que o AAS reduz o risco de câncer de cólon e este efeito é levado em consideração no momento de estimar o risco x benefício do uso. Esse foi o principal ponto de diferença entre o estudo atual da USPSTF (U.S. Preventive Services Task Force), ligada à sociedade de clínica médica dos EUA (ACP), e o FDA. A agência regulatória americana, há alguns anos, não recomendava o AAS como prevenção primária, mas seus estudos só levaram em consideração os benefícios cardiovasculares – e não os neoplásicos. E já adianto: os novos estudos da ESC 2018 só avaliaram o benefício cardiovascular do AAS, e não a prevenção do câncer de cólon, limitando a aplicação do estudo ipsis literis na prática diária.

Leia  mais: Há benefício na manutenção do AAS em cirurgias vasculares de alto risco?

A metanálise realizada pela USPSTF é uma das evidências mais recentes e abrangentes, porém ainda insuficiente para responder a todas as perguntas. Há dois pontos “pacíficos”: o paciente de baixo risco não se beneficia do AAS e aquele do alto risco faz jus. Os problemas são: (1) identificar qual o ponto de corte baixo x alto risco; (2) manejo do paciente de risco intermediário; e (3) ponderar benefício x risco sangramento.

Para o item 2, o paciente de risco médio/intermediário, dois estudos publicados no ESC 2018 trouxeram informações importantes:

ARRIVE

Ensaio clínico randomizado e duplo-cego de AAS 100 mg/dia versus placebo. Os critérios de inclusão visaram selecionar pacientes com risco intermediário: homem ≥ 55 anos + ≥ 2 fatores de risco CV ou mulher ≥ 60 anos + ≥ 3 fatores de risco CV; diabéticos foram excluídos. O resultado mostrou que não houve benefício do AAS na prevenção de IAM ou AVC.

ASCEND

Ensaio clínico randomizado e duplo-cego de AAS 100 mg/dia versus placebo. Os critérios de inclusão foram pacientes diabéticos > 40 anos, sem doença cardiovascular estabelecida, isto é, para os quais o AAS fosse prevenção primária – e não secundária. Os resultados mostraram redução de 12% no risco de IAM, AVC ou morte mas aumento de 21% no risco de sangramento.

O sangramento foi considerado apenas se AVC hemorrágico, gastrointestinal, ocular e/ou com necessidade de hospitalização ou transfusão. Desse modo, o benefício foi considerado equivalente ao risco. Muitos autores têm defendido um refinamento dos pacientes diabéticos selecionados para prevenção primária com AAS, a fim de identificar aqueles com risco muito alto para um evento e muito baixo para sangramento.

O Quadro 1 reúne as principais indicações de AAS na profilaxia primária pela USPSTF e o Quadro 2 os fatores de risco para sangramento – quanto mais risco, menor o benefício.

Quadro 1. Recomendações da USPSTF para profilaxia primária com AAS:

50 a 59 anos

Risco ≥ 10% (escore ASCVD)

AAS 81-100 mg

(nível evidência B)

60 a 69 anos

Risco ≥ 10% (escore ASCVD)

AAS 81-100 mg

(nível evidência C)

Para pessoas com < 49a ou > 70a, a evidência científica não foi suficiente para uma recomendação. Além disso, as recomendações são as mesmas para ambos os sexos.

Quadro 2. Fatores de risco para sangramento com AAS.

Idoso HAS Tabagismo
Sexo masculino DM Uso AINE
Hepatopatia Trombocitopenia ou coagulopatia Anticoagulação plena
Nefropatia Obesidade Dose e tempo de uso do AAS
Hospitalização doença gastrointestinal ou dor abdominal

Saiba mais sobre o assunto em nosso podcast:

https://soundcloud.com/pebmed/pebmedcast-conheca-novidades-do-congresso-europeu-de-cardiologia-parte-1

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Referências:

  • Aspirin for Primary Prevention. lIlana B.Richman, Douglas K.Owens. https://doi.org/10.1016/j.mcna.2017.03.004
  • Stone NJ, Robinson JG, Lichtenstein AH, Bairey Merz CN, Blum CB, Eckel RH, Goldberg AC, Gordon D, Levy D, Lloyd-Jones DM, McBride P, Schwartz JS, Shero ST, Smith SC Jr, Watson K, Wilson PWF. 2013 ACC/AHA guideline on the treatment of blood cholesterol to reduce atherosclerotic cardiovascular risk in adults: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. Circulation. 2014;129(suppl 2):S1–S45
  • 2016 ESC/EAS Guidelines for the Management of Dyslipidaemias. Alberico L Catapano Ian Graham Guy De Backer Olov Wiklund M John Chapman Heinz Drexel Arno W Hoes Catriona S Jennings Ulf Landmesser Terje R Pedersen. European Heart Journal,October 2016. https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehw272

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