ACP 2023: Revendo os artigos mais importantes em endocrinologia do último ano

O ACP 2023 trouxe uma interessante para revisão focando em artigos importantes publicados nos últimos 15 meses relativos à endocrinologia.

O congresso do American College of Physicians (ACP 2023) é uma excelente oportunidade para atualização clínica para internistas. A palestra do Dr. Daniel Rubin trouxe uma interessante para revisão focando em artigos importantes publicados nos últimos 15 meses relativos à endocrinologia. Na atualização deste ano, o Dr Rubin optou por agrupar os artigos em três grandes grupos de assuntos relevantes relacionados ao diabetes e obesidade que vem recebendo maior atenção: 

  • Perda de peso com semaglutida e tirzepatida
  • Proteção cardiorrenal com inibidores de SGLT-2
  • Efetividade de drogas somadas à metformina 

médico prescrevendo medicamentos em endocrinologia

Estudos avaliando perda de peso com semaglutida e tirzepatida

STEP 8 

  •  O STEP 8 foi um estudo randomizado, publicado no JAMA em 2022 que comparou a efetividade da semaglutida comparado com liraglutida e placebo, randomizado de uma maneira 3:1 com placebo. 338 participantes compuseram o estudo, realizado em 19 sítios nos EUA. 78% eram mulheres, com média de idade de 48a, média de IMC inicial 37 a 39 kg/m², cujo objetivo foi avaliar o percentual de perda de peso corporal ao final de 68 semanas.
  • Resultados: Perda de – 15,8% no grupo semaglutida 2,4 mg vs – 6,4% no grupo liraglutida.
  • A análise secundária demonstrou uma perda de – 15,3 kg no grupo semaglutida comparado a – 6,8 kg no grupo liraglutida (p < 0,001).
  • A parte interessante sobre os efeitos colaterais é que a incidência de eventos gastrointestinais foi comparável nos grupos apesar da diferença na eficácia;
  • A chance de descontinuação por qualquer motivo foi bem maior no grupo liraglutida – 12,6% vs 3,7%).
  • A maioria dos eventos ocorreu logo no primeiro mês e eventos mais graves como pancreatite, problemas vesiculares ou câncer foram muito, muito poucos. 

SURMOUNT-1 

  • O SURMOUNT-1 (coberto pelo Portal PEBMED no congresso da ADA em 2022), avaliou os efeitos da tirzepatida (um agonista duplo GIP e GLP-1) na perda de peso nas doses de 5, 10 e 15 mg/semana mais mudança no estilo de vida comparado ao placebo.
  • O estudo foi um ensaio clínico randomizado (RCT), fase 3, internacional e multicêntrico, que incluiu 2539 pacientes com obesidade ou sobrepeso + pelo menos + uma comorbidade, sem diabetes, com objetivo primário (co-primary endpoints) de avaliar o percentual de perda corporal e perda maior ou igual a 5% do peso inicial.
  • População: Média de idade de 45a, maioria mulheres, 94,5% pacientes com IMC acima de 30.
  • Resultados: a melhor medicação já avaliada para o tratamento da obesidade. Na análise intention to treat (ITT), houve uma perda de -20,9% do peso corporal na dose de 15 mg/semana, enquanto o grupo placebo perdeu -3,1%. Na análise per protocol, -22,5% vs -2,5%. Um resultado quase próximo de um Sleeve gástrico!
  • Na análise ITT, 90% dos pacientes perderam pelo menos 5% do peso, sendo que 36% perderam mais que 25% do peso inicial.
  • As análises secundárias demonstraram modestos mas significantes reduções na pressão sistólica, triglicérides e LDL colesterol.
  • Mais interessante ainda, o nível de efeitos colaterais não foi muito diferente do que com os demais agonistas de GLP-1 e tampouco foram dose dependentes.
  • Há a expectativa de aprovação do FDA da medicação para perda de peso este ano. 

Proteção renal e inibidores de SGLT-2 

DELIVER 

  • O estudo DELIVER avaliou a dapagliflozina em pacientes com insuficiência cardíaca (IC) com fração de ejeção preservada ou moderadamente reduzida (FEVE > 40%), com objetivo de avaliar tempo para progressão da IC ou morte cardiovascular.
  • Contextualizando: até o momento, os estudos haviam provado benefícios da dapagliflozina em pacientes com IC FE reduzida (< 40%) apenas.
  • Foram selecionados 6263 pacientes com IC e FEVE > 40%
  • População: média 72a, 44% mulheres, 45% com DM2, 88% com HAS
  • Resultados: Após 1080 dias, a incidência acumulada de eventos no grupo placebo foi de 19,5%, enquanto o grupo dapagliflozina teve 16,4%, resultando em um Hazard Ratio (HR) de 0,82 (0,73 – 0,92; IC 95%; p<0,001), com uma redução absoluta de risco (RAR) de quase 3% para o desfecho composto primário.
  • O que chama atenção é que a separação da curva se inicia logo com um a três meses, ou seja, os benefícios já se iniciam no início do uso da medicação e persistem ao longo do tempo.
  • Os benefícios foram puxados sobretudo pela redução de eventos de IC (Redução do risco relativo – RRR 21% e RAR 2,7%), enquanto morte por causas cardiovasculares teve uma diferença pequena, resultando em uma RRR de 12% e RAR de apenas 0,9%.
  • A dapagliflozina é uma medicação super bem tolerada, com um índice de eventos colaterais próximos do placebo. Vale sempre lembrar da hipotensão postural, infecções de trato genito urinário, porém estas em geral foram leves e toleráveis na grande maioria dos pacientes.
  • Agora, após o Emperor-Preserved, que já havia mostrado uma redução de eventos (HR 0,81) em pacientes com IC de FE preservada, temos evidências robustas dos benefícios também da dapagliflozina nesta população. 

EMPA-KIDNEY

  • O EMPA-KIDNEY foi também um grande RCT que avaliou 6.609 pacientes com doença renal crônica (DRC), incluindo pacientes com taxa de filtração glomerular (TFG) de 20 a 44 ml/min ou 45-90 com microalbuminúria > 200 mg/g.
  • Os pacientes foram randomizados para empagliflozina 10 mg/d vs placebo
  • Follow up médio de dois anos
  • Endpoint primário composto de progressão de doença renal (queda sustentada no clearance > 40%, doença renal terminal – clearance < 10% ou morte por causas renais) ou morte cardiovascular.
  • A média de idade foi de 64a, 26 a 27% com doença cardiovascular estabelecida; aproximadamente 1/3 com TFG < 30, outro terço entre 30 e 45 e outro acima de 45. 85% já em uso de inibidor do sistema renina angiotensina-aldosterona
  • O interessante: só 46% de diabéticos, permitindo a análise da medicação também em pacientes com DRC por outras causas e se estendendo os resultados a pacientes não diabéticos.
  • Resultados: Houve uma redução na incidência de eventos no grupo empagliflozina vs placebo após 2,5 anos (HR 0,72; 0,64 – 0,82; IC 95%: P< 0,001). Ou seja, uma RRR de 28% e uma RAR de 3,8%. O tempo para separação da curva iniciou um pouco mais tarde do que para a IC, ocorrendo após cerca de um ano.
  • Houve o mesmo fenômeno de queda temporária da TFG, cruzando com o placebo após 18 meses apenas.
  • Na análise de subgrupos, os benefícios ocorreram independentemente da presença ou não de diabetes; e chama atenção também que os benefícios parecem ser maiores se houver presença de microalbuminúria A3 (acima de 300 mg/g) – mas lembrando, trata-se de uma análise de subgrupos.
  • Quanto a eventos adversos, esse estudo olhou sobretudo à questão da cetoacidose, que ocorreu em seis pacientes do grupo empa (0,2%) vs 1 no grupo placebo (<0,1%) e também às amputações de membros inferiores, que ocorreu em 28 participantes do grupo empa (0,8%) vs. 19 (0,9%) do grupo placebo (HR 1,43; 0,8 – 2,57; IC 95%), não alcançando portanto significância estatística apesar da tendência. Não houve diferenças também em infecções graves de trato genitourinário, hipercalemia grave ou lesão renal aguda grave. Os efeitos colaterais tendem portanto a ser leves e bem tolerados. 

Efetividade de drogas somadas à metformina 

Por fim, estudos randomizados que avaliem as opções terapêuticas adicionais à metformina vem surgindo. Por muitos anos, o conceito de progressão do diabetes norteou a opinião de especialistas para a recomendação de um tratamento com adição progressiva de medicações. No entanto, há poucas evidências de qualidade para a decisão de qual seria a próxima/melhor terapia medicamentosa de forma comparativa. Por isso, foi feito o estudo GRADE, que foi publicado no NEJM em 2022 (também comentado aqui no portal)  para avaliar o desempenho de uma terapia add-on à metformina.  

GRADE 

  • O estudo GRADE foi um RCT nacional realizado nos EUA, incluindo 5047 pacientes com DM2 < 10 anos e em uso de metformina (MTF). Os pacientes foram randomizados para quatro grupos: Sitagliptina, glimepirida, liraglutida e glargina. Infelizmente quando o estudo foi desenhado ainda não havia a disponibilidade de inibidores de SGLT-2 e os autores optaram por não alterar o estudo original após.
  • O objetivo primário foi avaliar o tempo para “falha metabólica”, o seja, em quanto tempo o paciente em uso da medicação ficaria com hemoglobina glicada acima de 7%.
  • A média de idade foi de 57 anos, IMC de 34 kg/m², tempo de DM de 4 anos, com maioria masculina. A grande maioria (92%) com metformina 2g/dia. Todas as medicações iniciadas deviam ser tituladas para a máxima dose tolerada.
  • Resultado: A falha metabólica após quatro anos da randomização (glicada > 7%) ocorreu em 77% no grupo sitagliptina, 72% no grupo glimepirida, 68% no grupo liraglutida e 67% no grupo glargina.
  • Todas as drogas tiveram bons efeitos nos primeiros três meses, porém houve grande tendência de falha após quatro anos.
  • A glargina e liraglutida foram as melhores opções, superiores a sitagliptina e glimepirida
  • Os eventos adversos foram como esperado, com maior incidência de hipoglicemias no grupo glimepirida (2,2%) e glargina (1,3%) vs 1,0% no grupo liraglutida e 0,7% no grupo sitagliptina. Quanto ao peso, houve ganho de 12% no grupo glimepirida, 13% no grupo glargina vs 6% (de ganho) no grupo liraglutida e 7% no grupo sitagliptina.
  • A falha, portanto, chega a 71% em quatro anos, ou seja, é bem difícil atingir e manter o controle a longo prazo. 

Confira aqui a cobertura completa do ACP 2023!

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