ASH 2022: LMA – Reindução de remissão pré-transplante de medula é melhor prática?

Pesquisadores apresentaram, no congresso da Sociedade Americana de Hematologia (ASH), novo ensaio clínico sobre reindução de remissão.

É adotado como prática padrão na literatura mundial a reindução de remissão em pacientes com diagnóstico de Leucemia Mieloide Aguda (LMA) recaída/refratária (R/R) antes de submetê-los ao procedimento de condicionamento seguido de transplante de medula óssea alogênico (TMO alo).

Alguns estudos clássicos (os quais infelizmente não conseguiremos discutir aqui) evidenciam melhores taxas de sobrevida global (SG) e sobrevida livre de leucemia (SLL) ao se atingir graus mais profundos de resposta antes de submeter os pacientes ao TMO alo nas condições anteriormente apresentadas. No entanto, esses estudos avaliam um número limitado de pacientes e divergem entre si, levando em consideração os esquemas de quimioterapia de salvamento utilizados, o suporte clínico oferecido aos pacientes e ao método de condicionamento/imunossupressão utilizado durante o TMO alo.

Um grupo de pesquisadores alemães apresentou, no congresso da Sociedade Americana de Hematologia (ASH), em dezembro de 2022, o resumo de um ensaio clínico desenvolvido por eles que apresenta uma conclusão diferente. Vamos analisá-lo.

ASH 2022: LMA – Reindução de remissão pré-transplante de medula é melhor prática?

Métodos

Pacientes adultos diagnosticados com LMA de risco desfavorável, com resposta ruim após a primeira terapia de indução ou recaída de LMA, elegíveis para quimioterapia (QT) intensiva e TMO alo, com um doador aparentado compatível (DAC), um doador não aparentado (DNA) HLA compatível (≥ 9/10) ou com dois potenciais doadores não aparentados com ≥ 90% de probabilidade de compatibilidade, foram inscritos.

Os pacientes foram randomizados na proporção de 1:1 entre os seguintes braços:

  • Braço intervenção (estratégia de controle da doença antes do condicionamento sequencial e TMO alo): as estratégias de “watch-and-wait” (WW), citarabina em baixas doses e doses únicas de mitoxantrona foram permitidas para o controle da doença. Neste braço os pacientes não necessitariam passar por um esquema de reindução de remissão. Foi denominado pelos autores como braço DISC;
  • Braço controle (estratégia de indução de remissão): 3 g/m2 de citarabina (1 g/m2 para pacientes > 60 anos) duas vezes ao dia nos dias 1 a 3 associado a 10 mg/m² de mitoxantrona nos dias 3-5 seguido de TMO alo. Foi denominado pelos autores como braço RIST.

A hipótese nula é de que não haveria diferença em termos de SG, SLL e taxa de resposta completa (RC) com 56 dias após o TMO alo entre os grupos. Estatisticamente, o objetivo entre demonstrar não-inferioridade para o braço DISC com uma margem de 5% e um alfa unilateral de 2,5%.

Leia também: Quando e como vacinar pacientes submetidos a transplante de medula óssea?

Resultados

Um total de 281 pacientes (183 indivíduos mau respondedores após primeira linha e 98 indivíduos após recaída) foi inscrito. Cinco participantes foram excluídos de acordo com critérios pré-estabelecidos. A mediana de idade foi de 61 anos e o Índice de Comorbidade associado ao Transplante de Células Tronco Hematopoéticas (HCT-CI) foi ≥ 3 em 37,3% dos participantes. Na randomização, 39 indivíduos apresentavam DAC, 133 pacientes tinham um DNA compatível e 104 participantes tinham pesquisas de DNA em andamento. 272 pacientes foram tratados por protocolo, 138 no DISC e 134 no RIST.

No braço DISC, 76% dos indivíduos foram mantidos em WW até o início do condicionamento sequencial, enquanto 24% dos pacientes precisaram de medidas de controle da doença. No braço RIST, todos os participantes receberam o esquema de reindução contendendo citarabina e mitoxantrona. Importante notar que apenas 46% dos indivíduos desse braço alcançaram remissão completa. Cinco pacientes receberam um segundo curso de QT intensiva. Os pacientes restantes procederam ao TMO alo sem mais tentativas de induzir uma RC. O tempo médio para TMO foi de 4 semanas no braço DISC e oito semanas no braço RIST. Após 24 semanas da randomização, 98% e 96% dos pacientes haviam sido transplantados nos braços DISC e RIST, respectivamente. O endpoint primário de RC após 56 dias do TMO alo foi alcançado por 84,1% dos indivíduos pertencentes ao grupo DISC e 81,3% dos pertencentes ao grupo RIST (teste de não inferioridade, p=0,047).

O acompanhamento médio do estudo até o momento da apresentação era de 37 meses. Na análise por intenção de tratar, a SG em um e três anos da randomização foi de 69,1% (IC 95%, 60,6 a 76,1%) versus 71,9% (IC 95%, 63,3 a 78,9%) e 51,0 % (IC 95%, 41,8 a 59,6%) versus 54,2% (IC 95%, 44,4 a 62,9%) no braço DISC versus RIST, respectivamente (log-rank p=0,47).

Ouça mais: Doença do enxerto versus hospedeiro nos transplantes de medula óssea [podcast]

Considerações

De acordo com os resultados apresentados levar um paciente com diagnóstico de LMA e risco desfavorável, mau respondedor à primeira linha ou recaído/refratário, para TMO alo com doença ativa teria resultados semelhantes a tentar induzir resposta completa antes de prosseguir com o transplante. No entanto, alguns questionamentos são necessários e somente teremos respostas mais conclusivas após publicação do artigo na íntegra e sua análise.

  • 1º questionamento: A porcentagem de pacientes que atingiram resposta completa foi muito pequena no grupo de reindução quando comparado a outros esquemas de salvamento incluindo novas drogas. Se tivéssemos um grupo com uma taxa de RC na ordem de 70 a 80%, os resultados obtidos seriam semelhantes?
  • 2º questionamento: A taxa de SG em um ano próxima a 70% para ambos os braços parece muito elevada quando analisada comparativamente a dados disponíveis na literatura mundial para o subgrupo de pacientes com LMA e risco desfavorável. O que foi responsável por esse dado?
  • 3º questionamento: Aproximadamente 95% dos pacientes conseguiram chegar ao transplante nos dados apresentados. Qual o nível de suporte clínico necessário para esses desfechos observados?
  • 4º questionamento: Qual a terapia profilática pra GvHD utilizada nos dois grupos?

Conclusão e mensagem prática

Enfim, os resultados apresentados levantam a possibilidade de transplantar um número maior de pacientes ainda mais em um cenário de recursos limitados especialmente para novas drogas. Ainda assim devemos aguardar novos desdobramentos para indicar tal conduta.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Stelljes M, Middeke JM, Bug G, et al. In Patients with Relapsed/Refractory AML Sequential Conditioning and Immediate Allogeneic Stem Cell Transplantation (allo-HCT) Results in Similar Overall and Leukemia-Free Survival Compared to Intensive Remission Induction Chemotherapy Followed By Allo-HCT: Results from the Randomized Phase III ASAP Trial. General Sessions; Plenary Scientific Session. 64th ASH Annual Meeting and Exposition, December 10-13, 202. Blood. 2022;140(Supplement 1):9–11. DOI: 10.1182/blood-2022-159962