Choque séptico: fique por dentro da revisão mais recente

Este mês, pesquisadores da sepse publicaram um estudo revisional com as principais atualizações em choque séptico. Fique por dentro:

Tempo de leitura: [rt_reading_time] minutos.

Sepse é um dos principais temas em terapia intensiva, e alvo de muitos estudos. Este mês, pesquisadores do tema publicaram na revista Intensive Care Medicine uma revisão narrativa com as principais atualizações em choque séptico. O texto aborda desde fluidoterapia até desafios significativos em países de baixa e média renda. Como tudo isso se aplica na nossa prática médica? Veremos a seguir:

choque septico

Qual o alvo hemodinâmico correto?

Nosso alvo é fornecer pressão adequada de perfusão aos órgãos e distribuir o oxigênio (DO2), limitando os efeitos colaterais das intervenções usadas para obter os alvos. Inicialmente, vamos buscar a Pressão Arterial Média (PAM) > 65 mmHg, mas isso deve ser reavaliado dinamicamente ao longo do tempo.

O artigo especifica cada variável hemodinâmica que é utilizada atualmente, porém ressalta que as diretrizes fornecem informações sobre o gerenciamento do choque séptico, mas desafios permanecem na interpretação dos estudos ou na aplicação dos resultados. Alguns pontos importantes para a prática diária são:

  • A perfusão capilar periférica é um marcador simples e está na moda. O fato é que ela é muito útil. PCP> 3,5 s indica má perfusão periférica. Quando associado à hiperlactatemia, marca insuficiência circulatória acentuada. Ainda está sendo investigado se a ressuscitação no choque séptico pode ser guiada pela PCP. Inclusive, acabou de ser publicado um artigo sobre este assunto no Jama, que compara o uso de PCP versus lactato na ressuscitação volêmica no choque séptico. Os resultados do estudo não alcançaram significância estatística e não embasam o uso de PCP neste contexto.
  • A diurese é um bom marcador de choque no início, mas não é um bom alvo para a ressuscitação.
  • A DO2 depende da saturação de oxigênio no sangue arterial (SaO2), hemoglobina (Hb) e débito cardíaco (CO). Não há um valor específico de DO2 ou Hb recomendados em choque.
  • A diferença arterio-venosa central de CO2 chamada de PCO2gap (ou delta-CO2), pode ser útil como alvo em estados de choque em que ScvO2 é normal.
  • O lactato também é uma grande estrela quando falamos em choque. Em geral, nesses estados de perfusão inadequada, os níveis ficam > 2 mmol/L. No choque séptico, a normalização do lactato é recomendada como meta de ressuscitação. Mas precisamos ficar atentos, pois o aumento do lactato sanguíneo pode ser devido ao aumento da produção, diminuição da depuração, ou uma combinação dos dois. Outros fatores além da anaerobiose também podem aumentar a produção de lactato. Já falamos sobre lactato e má perfusão aqui no Portal PEBMED. A hiperlactatemia sustentada sugere a necessidade de reavaliar o tratamento. Precisamos de guidelines mais precisos sobre medições seriadas de lactato para avaliar resposta à terapia.

Como otimizar a terapia com fluidos?

Após acompanhar as últimas publicações em terapia intensiva e participar de congressos, posso compartilhar com vocês uma certeza: soro é remédio. Devemos usar com cautela, nem demais, nem “de menos”. Como fazer a ressuscitação volêmica de forma segura e, até mesmo como desressuscitar pacientes, tem sido alvo de diversos estudos.

Saber ajustar a volemia é essencial. Os estudos mostram que a carga excessiva de líquidos está associada à disfunção orgânica e à morte em pacientes com choque séptico. Um ponto muito importante é que uma administração mais restritiva com base em critérios mais rigorosos não foi associado a pior desfecho em pacientes com choque séptico; pelo contrário, parece que o agravamento da lesão renal aguda (LRA) foi menos frequente. O desafio agora é melhorar os gatilhos para administração de fluidos. Algumas perguntas que precisamos responder:

Meu paciente precisa de fluidos?

O ponto-chave para saber quando administrar fluidos é focar na fluido-responsividade a beira-leito. A resposta aos fluidos é melhor medida por índices dinâmicos, como pressão de pulso, variação do volume sistólico, levantamento passivo de pernas ou teste de oclusão expiratória final. Estes testem podem impedir a administração de fluidos a não respondedores, evitando seus efeitos prejudiciais.

Quando parar a reposição de fluidos?

A decisão deve estar baseada em melhora da hipoperfusão periférica, ausência de responsividade, ou sinais de baixa tolerância.

Que tipo de fluidos usar?

Este ponto também foi muito discutido ano passado. Ensaios clínicos randomizados multicêntricos mostraram efeitos nocivos de coloides sintéticos, principalmente insuficiência renal aguda. A albumina é o único coloide que parece seguro na maioria das circunstâncias. Em relação aos cristaloides, as soluções balanceadas (Ringer lactato/ Plasma-Lyte) podem ser associados a menos IRA do que salina, mas a incerteza permanece.

Quando remover fluidos?

O artigo não abordou este ponto especificamente, mas a “desressucitação” também tem sido bastante discutida. Compartilhamos aqui no Portal um texto a respeito, baseado em uma aula do Congresso Brasileiro de terapia intensiva.

Vasopressores: onde estamos?

A vasodilatação é uma característica central do choque séptico. A Campanha Surviving Sepsis (SSC) recomenda noradrenalina como vasopressor de primeira escolha e vasopressina como agente de segunda linha. Porém, importantes incertezas permanecem:

  1. Para a maioria dos vasopressores, a dose segura mais efetiva não é conhecida.
  2. Com todos os vasopressores, o risco de eventos adversos é maior em pacientes com depleção de volume intravascular. Infelizmente, a avaliação do status intravascular definitivo é desafiadora e o risco de uso inadequado de vasopressores é alto.
  3. Vários ensaios clínicos randomizados confirmaram que a vasopressina, selepressina e angiotensina II aumentam a PAM e reduzem a necessidade de noradrenalina. Vasopressina e angiotensina II também pode ter efeitos benéficos na função renal, e a vasopressina pode estar associada a menores taxas de fibrilação atrial. Resta saber se a melhora nas variáveis ​​hemodinâmicas sem melhora na mortalidade justifica seu uso.
  4. Ainda não se sabe se existe um espaço para a terapia com diferentes tipos de vasopressores em choque vasoplégico. Essa estratégia pode evitar a toxicidade associada a altas doses de um único agente.
  5. Qual é a estratégia ideal de desmame do vasopressor vários agentes são usados, qual agente deve ser desmamado primeiro?

Inotrópicos? Quando? Qual?

O primeiro desafio é selecionar pacientes que possam se beneficiar de inotrópicos, identificada pela persistência de alterações perfusão tecidual, juntamente com diminuição da função sistólica, apesar da administração adequada de fluidos. Antes de começarmos a oferta de inotrópicos, é importante que a avaliação ecocardiográfica seja feita.

Alguns pontos sobre os inotrópicos a se considerar antes de iniciar os inotrópicos:

  • Inotrópicos não aumentam significativamente o CO em pacientes hipovolêmicos.
  • Os inotrópicos podem induzir ou piorar a fibrilação atrial e outras disritmias.

O segundo desafio é selecionar o agente inotrópico. A dobutamina é o agente mais conhecido. As diretrizes do SSC sugerem o uso de dobutamina para tratar:

“Pacientes que apresentam evidências de hipoperfusão persistente apesar de volume adequado de fluidos e do uso de agentes vasopressores”. No entanto, a recomendação atual é considerada fraca, com baixa qualidade de evidência. Isso porque aferir “volemia adequada” é difícil na realidade.

Leia maisChoque séptico refratário: quais as abordagens mais atuais?

Além disso, alguns estudos sugerem ainda que a dobutamina pode ser prejudicial e combinações vasopressoras/inotrópicas com componente beta-adrenérgico estão associados a desfechos piores e aumento de arritmias.

O artigo conclui que a decisão de usar ou não inotrópicos deve ser individualizada. O objetivo final de uma tentativa de terapia inotrópica é a evidência de uma melhora na perfusão tecidual associada a um aumento do débito cardíaco. Se um efeito favorável não for alcançado ou se ocorrerem eventos adversos, o agente deve ser interrompido. Não há dados de ensaios para apoiar ou rejeitar o uso de inotrópicos.

Devemos usar betabloqueadores?

A taquicardia está frequentemente presente em pacientes com sepse choque. Em muitos casos, ela está relacionada à febre ou representa um mecanismo compensatório para preservar o débito cardíaco e, nesses casos, tratar a causa e não a consequência é o melhor. No entanto, a taquicardia também pode ser observada volume de ejeção e débito cardíaco estão preservados e podem estar relacionados a estimulação excessiva de catecolaminas.

Nestas condições, considera-se que a estimulação excessiva adrenérgica desempenha um papel na toxicidade do miocárdio, metabolismo, e função imunológica. Há muitos estudos avaliando o uso de betabloqueadores na sepse, porém esta indicação permanece experimental. O desafio é identificar os pacientes que podem se beneficiar de betabloqueadores neste contexto.

Terapia guiada por microcirculação é uma boa estratégia?

Ainda não se sabe se a terapia guiada por microcirculação pode melhorar os desfechos e faltam testes de ressuscitação direcionados à microcirculação. Até esse momento, a terapia guiada pela microcirculação no choque séptico continuará uma arena de pesquisa.

Esteroides: afinal, o que há de mais recente?

Este é outro tópico que foi alvo de muitas publicações ano passado. Sobre seu uso, os autores afirmaram ainda ter compreensão incompleta, investigações estão em andamento. Ressaltam que os efeitos sobre recuperação, qualidade de vida e economia da saúde devem ser avaliados. Se quiser saber mais sobre os estudos a respeito de corticoides publicados recentemente, acesse nosso artigo Corticoides na sepse: como, quando e por que fazer?

A vitamina C ajuda?

Um recente estudo retrospectivo de um único centro encontrou associação sinérgica no uso de vitamina C com hidrocortisona e tiamina, demonstrando uma redução na mortalidade e disfunção orgânica. O estudo é limitado pelo seu design retrospectivo, falta de randomização e pequeno tamanho da amostra, mas incentiva pesquisas futuras a investigar se o desfecho é melhor com altas doses de monoterapia com vitamina C ou na administração sinérgica de vitamina C com hidrocortisona e tiamina.

Os desafios nos locais com poucos recursos

Quem trabalha em locais públicos no Brasil, sabe bem as dificuldades de se manejar o choque séptico com recursos limitados. O artigo traz uma área para discutir especificamente este tópico.

Ferramentas de monitoramento, inclusive as utilizadas para avaliar a capacidade de resposta a fluidos, podem estar faltando, e os alvos de ressuscitação são amplamente baseados em parâmetros clínicos. Apesar de os parâmetros clínicos como débito urinário, nível de consciência ou PCP, fornecerem alternativas baratas a avaliação da perfusão tecidual periférica, não são ferramentas específicas e precisam ser validadas.

A ecocardiografia aparece como uma opção, por ser relativamente barata de se realizar, e permite avaliação do estado do volume, função cardíaca e presença de edema pulmonar.

Outros desafios em locais com poucos recursos é a falta de pessoal treinado, grande variação nas práticas clínicas e lacunas de conhecimento. Além disso, a ausência de epidemiologia e os dados clínicos também são uma dificuldade. Se os recursos são escassos, escolhas sábias são necessárias tanto no que diz respeito a clínicas práticas e na resolução de questões de pesquisa com foco nas prioridades locais.

Take Home message do choque séptico:

  1. Monitorização hemodinâmica: avaliar a PCP tem sido estudada como possibilidade para guiar a ressuscitação volêmica, mas os dados ainda não suportam seu uso. A medição do lactato também é uma opção a se considerar, porém precisamos de guidelines mais precisos sobre medições seriadas de lactato para avaliar resposta à terapia.
  2. Terapia com fluidos: lembrar que soro é remédio e tem efeitos adversos. Portanto, avalie sempre fluido-responsividade a beira-leito. A resposta aos fluidos é melhor medida por índices dinâmicos, como pressão de pulso, variação do volume sistólico, levantamento passivo de pernas ou teste de oclusão expiratória final.
  3. Vasopressores: ainda há muitas incertezas a respeito do seu uso. Porém, a princípio, a noradrenalina é a primeira escolha, enquanto que vasopressina é agente de segunda linha.
  4. Inotrópicos: estão indicados em pacientes com persistência de alterações perfusão tecidual, juntamente com diminuição da função sistólica, apesar da administração adequada de fluidos. Antes de começar, não esqueça de fazer um ecocardiograma. Tenha em mente que não há dados de ensaios para apoiar ou rejeitar o uso de inotrópicos.
  5. Betabloqueador, terapia guiada por microcirculação e vitamina C: cenário ainda obscuro, aguardamos novos estudos.

É médico e também quer ser colunista do Portal da PEBMED? Inscreva-se aqui!

Referências:

  • De Backer et al. Challenges in the management of septic shock: a narrative review. Critical Care. 2019
  • Hernández G, Ospina-Tascón GA, Damiani LP, et al. Effect of a Resuscitation Strategy Targeting Peripheral Perfusion Status vs Serum Lactate Levels on 28-Day Mortality Among Patients With Septic ShockThe ANDROMEDA-SHOCK Randomized Clinical TrialJAMA. 2019;321(7):654–664. doi:10.1001/jama.2019.0071

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.

Especialidades