Dez equívocos no diagnóstico das intolerâncias a carboidratos

Os carboidratos são moléculas de grande importância biológica formadas principalmente por carbono, hidrogênio e oxigênio.

A absorção dos carboidratos ocorre no intestino delgado, porém quando não adequadamente absorvidos são fermentados por bactérias colônicas produzindo dióxido de carbono, hidrogênio e metano. Parte destes gases é absorvida no cólon e a outra permanece no lúmen.

O excesso de gases no intestino pode levar a sintomas de distensão abdominal, cólicas e alterações do hábito intestinal. Esses sintomas são decorrentes da intolerância aos carboidratos e podem ser diagnosticados usando o teste do hidrogênio expirado. Neste artigo avaliamos 10 situações que dificultam o diagnóstico das intolerâncias.

Dez equívocos no diagnóstico das intolerâncias a carboidratos

1º: Não entender a diferença entre Alergia e Intolerância alimentar

O primeiro equívoco no diagnóstico das intolerâncias a carboidratos é a grande confusão entre os conceitos de alergia e intolerância alimentar. Muitos pacientes procuram assistência médica relatando reação a alimentos e atribuem tais incômodos a “alergia”. No entanto, na maioria dos adultos estes sintomas são causados por intolerância alimentar.

A alergia alimentar ocorre a partir de resposta exacerbada do sistema imune (mediado ou não pela Imunoglobulina E – IgE) após ingestão de alguns alimentos. Por outro lado, a intolerância não está relacionada a reação imunológica, mas decorre de reação adversa a alimentos de caráter não imune. A intensidade dos sintomas da intolerância alimentar depende da dose ingerida e dos mecanismos de digestão do carboidrato.

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2º: Dificuldade em correlacionar os sintomas com o alimento ingerido

Na prática clínica é difícil estabelecer a correta associação entre a ingestão de um alimento suspeito e o desenvolvimento do sintoma relatado pelo paciente, uma vez que o aparecimento das queixas pode ser tardio. Como identificar qual alimento causa sintoma em uma refeição com vários alimentos? A melhor opção é a execução de um diário alimentar detalhado e avaliado adequadamente pelo médico ou nutricionista.

3º: Não conhecer as intolerâncias a Rafinose e FODMAPs

Pacientes e médicos desconsideram ou mesmo desconhecem as intolerâncias a carboidratos complexos (rafinose) e a FODMAPs, sigla em inglês para Fermentable Oligosaccharides, Disaccharides, Monosaccharides and Polyols (Oligossacarídeos, Dissacarídeos, Monossacarídeos e Polióis fermentáveis). Ambas podem manifestar-se com sintomas semelhantes às intolerâncias mais comuns como a lactose e frutose.

4º:  Ignorar que os sintomas de intolerância a carboidratos podem ser similares a outras condições gastrointestinais

Dor abdominal, inchaço e alteração do hábito intestinal são sintomas inespecíficos que podem ocorrer em várias doenças funcionais ou orgânicas, com ou sem intolerância a carboidratos. Por exemplo, a intolerância a lactose pode ser primária (deficiência de lactase) ou ser secundária a doença intestinal inflamatória ou doença celíaca. Logo, essas condições patológicas podem trazer fatores confundidores. Destaca-se ainda que há uma grande sobreposição entre ocorrência de intolerância a carboidratos (especialmente a lactose) e a síndrome do intestino irritável (ambas altamente prevalentes em nosso meio).

5º: Solicitar o Teste de Sensibilidade Alimentar – IgG 221 Alimentos

Embora o teste do IgG seja amplamente divulgado na mídia, o mesmo não tem comprovação científica e não deve ser solicitado. Testes inadequados como este podem prejudicar seriamente o diagnóstico dos pacientes. O posicionamento do Grupo de Alergia Alimentar da Associação Brasileira de Alergia e imunologia é: “os resultados positivos não devem ser interpretados como indício de alergia e consequentemente não se pode estabelecer dietas restritivas de qualquer alimento com base neste tipo de teste”.

6º: Interpretar erroneamente os resultados dos testes do hidrogênio exalado

Os testes respiratórios são considerados o padrão ouro para o diagnóstico de intolerância a carboidratos, tais como lactose, frutose, e frutano. Apesar disso, cuidados devem ser tomados na interpretação dos resultados desses testes. Falso-positivos podem ocorrer quando há rápido aumento da concentração do H2 expirado, em situações como disbiose da cavidade oral, supercrescimento bacteriano do intestino delgado ou trânsito intestinal rápido.

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Falsos-negativos ocorrem em pacientes com microbiota não produtora de hidrogênio e também se o tempo de trânsito orocecal for lento, ou seja, superior a três horas do teste. A realização do teste com medição de metano, além do hidrogênio, melhora sua sensibilidade, porém o mesmo é pouco disponível no Brasil.

7º: Confundir má absorção com intolerância a carboidratos

Para que os resultados dos testes de intolerância a carboidratos sejam adequadamente interpretados é fundamental correlacionar os resultados com os sintomas clínicos durante o exame ou até 24 horas do mesmo. A imagem a seguir representa um exame de teste de intolerância a lactose que é realizado por 180 minutos, com elevação dos níveis de H2 aos 150 minutos, indicando má absorção desse carboidrato. É obrigatória a verificação de sintomas, pois, apenas se presentes, o diagnóstico de intolerância é firmado.

É importante destacar que se os sintomas aparecem precocemente após ingestão do substrato a ser testado, devem estar relacionados com dispepsia secundária à distensão gástrica e não com intolerância.

8º: Superdiagnosticar a intolerância a carboidratos

Alguns pacientes relatam sintomas com doses mínimas de carboidratos, por exemplo a lactose no revestimento de alguns comprimidos, o que cientificamente não pode ser explicado. Um estudo duplo-cego, mostrou que a ingestão de menos de 10 g de lactose raramente induz sintomas abdominais.

Porém, 73% dos testados relataram sintomas após a ingestão de 40 g de lactose. Pode-se concluir que os testes sanguíneos para pesquisa de intolerância à lactose não deveriam ser solicitados na prática clínica por usarem doses elevadas de lactose (50 g) e superestimar os diagnósticos.

9º: Considerar sintomas inespecíficos como intolerância

Pacientes relatam sintomas como má digestão, gases, cefaleia e alteração de hábito intestinal após a ingestão de carboidratos, em especial a lactose. Mas quais sintomas podem ser realmente relacionados à intolerância? Dos sintomas relacionados à intolerância a carboidratos a diarreia é o mais bem estudado. Os sintomas são proporcionais a quantidade ingerida e não absorvida de carboidratos como lactose e frutose. Por outro lado, uma pequena quantidade de FODMAPs pode ser suficiente para causar sintomas.

10º: Excluir indiscriminadamente carboidratos da alimentação para fazer prova terapêutica de intolerância

Muitos pacientes têm optado por retirar carboidratos da alimentação sem qualquer orientação nutricional. O mesmo tem ocorrido com o glúten. Ambos são considerados por muitos como “vilões alimentares”. Essa retirada pode levar a erros diagnósticos. Por exemplo, o paciente retira o leite, mas continua ingerindo derivados e conclui que não tem intolerância à lactose, uma vez que o leite foi retirado da dieta e os sintomas permaneceram. Outro problema frequente é excluir o feijão e substituí-lo por outro carboidrato complexo (ex: lentilha), o que obviamente causará a manutenção dos sintomas.

O diagnóstico de intolerância a carboidratos nem sempre é fácil. No entanto, quando ele é embasado em anamnese detalhada, norteado por um diário alimentar e confirmado pelo teste de hidrogênio expirado, pode ser mais facilmente realizado.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Hammer HHammer JFox M. Mistakes in the management of carbohydrate intolerance and how to avoid them. UEG education, 2019.
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  • ASBAI. Posicionamento do Grupo de Alergia Alimentar da ASBAI. Disponível em: http://sbai.org.br/imagebank/2016-09-26-teste-de-igg-satement-so-ASBAI.pdf
  • Andrade VLA, et al. Manual Prático do Teste Respiratório do Hidrogênio Expirado: Intolerâncias a Carboidratos e Supercrescimento Bacteriano do Intestino Delgado. 2019.
  • Wilt TJ, et al. Lactose intolerance and health. Evid Rep Technol Assess. 2010; 192: 1–410.