Diagnóstico e tratamento de tumores oculares durante a pandemia de covid-19 

Embora sem significância estatística, observa-se redução no número de cirurgias realizadas nos casos de tumores benignos.

Achados oculares de covid-19 já foram relatados e incluem hiperemia, quemose e lacrimejamento, ou mesmo conjuntivite folicular. Um estudo recente, realizado na Universidade Federal de São Paulo, identificou, pela primeira vez, distúrbios da retina causados pelo novo coronavírus, mostrando lesões hiperreflexivas ao nível da camada de células ganglionares e da camada plexiforme interna.   

Além do contato direto ou indireto com secreções respiratórias, a transmissão também é possível pela superfície ocular, em contato com mucosas ou lágrimas. Com o distanciamento social causado pela pandemia, foi necessário reduzir os atendimentos nos centros de saúde, seguido de mudanças na abordagem dos mais diversos tipos de tumores. Muitos pacientes até faltaram às sessões de quimioterapia, enquanto outros tiveram cirurgias adiadas.   

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Cada serviço atuou de acordo com sua experiência, na tentativa de minimizar as consequências da pandemia nos pacientes oncológicos. No Brasil, o carcinoma espinocelular da conjuntiva e o melanoma de coroide estão entre as neoplasias oculares mais frequentes na população adulta. Esses correm risco de evolução desfavorável e a falta de diagnóstico precoce e acompanhamento adequado pode aumentar a morbimortalidade da população acometida.   

Além da recomendação de isolamento social e do receio de procurar um serviço de saúde, ainda há locais onde o contingente de profissionais foi escoado para o combate ao novo coronavírus. Assim, muitos pacientes com câncer atrasaram o diagnóstico e outros perderam o acompanhamento, o que pode gerar sérias consequências na evolução da doença. Embora várias unidades de oncologia tenham estimativas de queda no número de atendimentos, poucos estudos compararam esse impacto antes e depois da pandemia.  

Um estudo, publicado esse ano nos Arquivos Brasileiros de Oftalmologia, teve comoobjetivo avaliar o impacto do isolamento social devido à pandemia de covid-19 no número de novos casos e abordagens terapêuticas na divisão de Oncologia Ocular daUniversidade Federal de São Paulo(UNIFESP). Foram coletados dados de novos pacientes avaliados no setor de Oncologia Ocular da UNIFESP por um período de seis meses; de 16 de março a 16 de setembro de 2020, classificados como grupo pandêmico.   

A data de início escolhida foi um marco que impactou o atendimento, quando no município de São Paulo/SP foi decretado estado de emergência e iniciadas as medidas de isolamento social. Os dados desses seis meses foram comparados com os dados de casos novos do mesmo período do ano anterior, entre 16 de março e 16 de setembro de 2019, que correspondiam ao grupo pré-pandemia.   

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Como foi feito e o que encontrou o estudo? 

Dentre as variáveis analisadas foram incluídas: idade, sexo, raça, histórico familiar de câncer, procedência (por estado), tempo de encaminhamento (que se refere ao tempo entre o diagnóstico do câncer até o acolhimento pela equipe), diagnóstico clínico (que foi subdividido em carcinoma espinocelular da conjuntiva – CEC, melanoma de coroide, outros tumores malignos, tumores benignos e outros diagnósticos) e condutas terapêuticas (subdivididas em tratamentos tópicos, tratamentos cirúrgicos, acompanhamento ou encaminhamento). 

Um total de 186 novos casos foram incluídos no estudo. Os participantes foram classificados no grupo pré-pandêmico (n=122) e no grupo pandêmico (n=64). Houve uma redução de 47,54% no número de novos casos que chegaram ao  serviço devido à pandemia.  Não houve diferença estatisticamente significativa em sexo (p=0,159), raça (p=0,352), estado de origem (p=0,872), história de câncer (p=0,404) ou idade (0,703) entre os dois períodos de estudo. Embora não tenha havido diferença significativa no estado de origem, observa-se que 100% dos novos casos no período da pandemia vieram do estado de São Paulo, onde está localizado o serviço.  

O tempo de encaminhamento foi de 10,23 ± 16,85 semanas no grupo pré-pandêmico e 9,01 ± 14,11 semanas no grupo pandêmico, embora sem diferença significativa (p=0,757). Durante o período pré-pandêmico, foram confirmados 99 casos de tumor, sendo 51 casos (51,52%) de lesões benignas e 48 casos (48,48%) de lesões malignas. Durante o período da pandemia, foram confirmados 40 casos de tumor, sendo 16 casos (32,00%) de lesões benignas e 34 casos (68,00%) de lesões malignas.  

O aumento da frequência de neoplasias no período pandêmico foi estatisticamente significativo (p=0,024). Considerando todos os casos, os tumores benignos foram os mais diagnosticados no grupo pré-pandêmico (41,80%), enquanto no grupo pandêmico o diagnóstico modal foi o carcinoma espinocelular da conjuntiva (31,25%).  

Não houve diferença estatisticamente significativa no manejo para tumores benignos (p=0,088), CEC de conjuntiva (p=0,567), melanoma de coroide (p=0,165), outros tumores malignos (p=0,238) ou outros diagnósticos (p=0,638) . No entanto, houve tendência decrescente (p=0,097) no número de cirurgias (-7,63%) e tendência de aumento no tratamento tópico (+10,68%) e encaminhamentos (+9,58%) quando comparado ao mesmo período de 2019. 

o há diferença estatisticamente significativa em relação ao tempo de retorno (p=0,355), embora haja tendência à diminuição dos retornos imediatos (em menos de 1 mês) e aumento das altas e retornos anuais. 

Discutindo os resultados 

Os achados mostraram uma diminuição significativa no número de novos casos encaminhados ao serviço de Oncologia Ocular, sugerindo que esses casos se apresentarão com doença mais avançada no futuro. O fato de não ter recebido casos de outros estados durante o período da pandemia permite especular que a demora no diagnóstico será ainda maior em regiões de maior dificuldade de acesso à saúde.  

Nesse contexto, é muito importante a discussão sobre a utilização de recursos como a telemedicina que podem facilitar o diagnóstico e as opções de tratamento pelos profissionais de saúde que se encontram em regiões remotas.  

Nos primeiros meses, foram triados pacientes por telefone quanto à necessidade de comparecimento para avaliação presencial. Isso também possibilitou uma melhor comunicação entre os médicos, facilitou a avaliação da real necessidade de encaminhamento de determinados casos e auxiliou na abordagem terapêutica. O aumento da proporção de malignidades no grupo pandêmico poderia indicar que apenas as apresentações mais clássicas foram encaminhadas, observando-se casos suspeitos de lesões benignas, deixando espaço para casos suspeitos de tumores malignos.  

Embora sem significância estatística, observa-se redução no número de cirurgias realizadas nos casos de tumores benignos. Essa foi uma tendência observada em diversas áreas da medicina, optando por uma abordagem terapêutica com preferência pelo tratamento não invasivo, economizando o tempo limitado da sala cirúrgica para casos malignos e mantendo casos eletivos. A decisão sobre o adiamento de cada procedimento deve ser individualizada, considerando não só as condições em que a cirurgia será realizada, mas também a urgência do caso e estado de pandemia da população em questão.   

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Mensagem final 

Pode-se esperar um aumento drástico de casos, talvez em estágios avançados, como resultado da diminuição do número de casos observados nos primeiros seis meses de quarentena. Portanto, autoridades de saúde pública, instituições e profissionais que lidam com esses pacientes devem estar preparados para atender a essa demanda acumulada. 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Vicente Conrado Fontes Junior Arthur Gustavo Fernandes Melina Correa Morales Rubens Belfort Neto. The impact of the COVID-19 pandemic on the diagnosis and treatment of ocular cancer. ORIGINAL ARTICLE • Arq. Bras. Oftalmol. 86 (2) • Mar-Apr 2023.

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