Emergência e ressurgimento de infecções sexualmente transmissíveis

O século 21 tem sido marcado pelo ressurgimento de doenças esquecidas, como infecções sexualmente transmissíveis.

O século 21 tem sido marcado pelo ressurgimento de doenças esquecidas e praticamente renegadas ao nosso passado, como infecções sexualmente transmissíveis. Por outro lado, algumas doenças novas tem aparecido nesse século e em ambas situações o contágio sexual está envolvido.

Desde os anos 1990, gonorreia, sífilis e clamídia vem aumentando suas prevalências a cada dia relacionadas, principalmente, nos países de alta renda, às práticas sexuais de homens entre si. Ainda associado a essas práticas, temos o surgimento também de transmissibilidade “não clássica” de outras patologias entéricas, como hepatite A e shigella. Além disso, a resistência antimicrobiana tem estreitado o leque terapêutico, principalmente para gonorreia e Mycoplasma genitalium.

Entre os vários fatores que têm sido facilitadores desse incremento, a globalização tem sido preponderante. Notamos, em artigo de maio de 2020, publicado no NEJM, que descreve a melhora da conectividade entre as pessoas, facilidade de viagens ao redor do planeta, as redes sociais estreitando os laços entre pessoas e o aumento do uso de profilaxia pré-exposição ao HIV como fatores que, em muito, facilitaram a ascensão dessas infecções ou surgimento de novas formas de contágio.

organismos causadores de infecções sexualmente transmissíveis

Infecções sexualmente transmissíveis

No artigo, os autores trazem uma revisão sobre as doenças que estão ressurgindo e um approach clínico das novas doenças emergentes, seu quadro clínico, formas de diagnóstico, tratamento e, principalmente, orientações para a profilaxia.

Patógenos entéricos de transmissão sexual

Shigella:

  • Descrita já nos anos 70 em centros onde homens tinham contato sexual com outros homens;
  • Comportamentos de risco: contato direto anal-oral, “chemsex” (uso de “estimulantes” sexuais), sexo sem preservativos, múltiplos parceiros sexuais, uso de aplicativos de encontros sexuais e comparecimento em festas sexuais;
  • Frequente associação com HIV;
  • Alto índice de resistência bacteriana em indivíduos da Europa, América do Norte, Austrália e Ásia (azitromicina chega a 93%);
  • Desde uma gastroenterite auto limitada até uma disenteria hemorrágica severa.

Hepatite A:

  • Hepatite aguda auto limitante que pode chegar a hepatite fulminante em 0,5% dos casos;
  • Países com baixa incidência infantil da doença levou a alta prevalência de adultos não imunizados que, pelo contato sexual entre homens, disseminou surtos epidêmicos;
  • Coinfecção pelo HIV é comum;
  • Aplicativos de encontros sexuais, multiplicidade de parceiros sexuais, presença de outras IST’s e participação em festas sexuais têm sido outros fatores de risco;
  • Os métodos de transmissão podem ser diretos (contato anal-oral ) ou indireto (uso dos dedos ou de brinquedos sexuais em contato com anus).
  • Resistência antimicrobiana, virulência e infectividade são fatores ligados ao patógeno que facilitam a infecção.
  • Coinfecções, uso de medicamentos, acesso a festas e aplicativos sexuais favorecem o hospedeiro e, por fim, a imunidade do hospedeiro completam a susceptibilidade para o surgimento de novas formas de infecção desses patógenos.

Ouça também: Combate às Hepatites Virais: como tratar as hepatites e quando encaminhar para transplante? [podcast]

Patógenos emergentes de transmissão sexual

Neisseria meningitidis:

  • Coloniza em torno de 10% da nasofaringe de pessoas saudáveis, e menos frequente em outros sítios mucosos (reto, uretra e colo uterino);
  • Uretrite em homens heterossexuais (contato genital-oral) e doença meningocócica invasiva em homens com relações com outros homens;
  • Frequente uso de aplicativos ou websites para encontros únicos ou com múltiplos parceiros. Na Itália, entre 2015 e 2016 o estudo mostrou aumento entre vários locais de encontros de homossexuais masculinos.

Linfogranuloma venéreo:

  • Doença limitada a linfadenopatia regional. No acometimento retal pode apresentar proctite com dor local e podendo chegar a disseminação para doença inflamatória intestinal;
  • Desde 2003 tem surgido a forma retal preponderante em detrimento da forma genital;
  • Alta incidência de homens praticantes de sexo anal sem preservativo;
  • Coinfecção pelo HIV bastante comum.

Mycoplasma genitalium:

  • Primariamente descrito em 1981 entre dois homens com uretrite não gonocócica;
  • Vem apresentando resistência à azitromicina e moxifloxacina.

Vírus emergentes de transmissão sexual

Zika vírus:

  • Primeiro caso presumido de transmissão sexual foi em 2008, quando um casal heterossexual testou positivo para ZKV e apenas o homem tinha viajado ao Senegal voltando para os EUA;
  • Durante a gravidez pode causar microcefalia e outras anormalidades cerebrais;
  • Em 2013, testes positivos em urina e sêmen de um homem que viajou ou Taiti poderiam ter sido os contaminantes de sua esposa.

Ebola vírus:

  • Na África entre 2014 e 2016 alguns sobreviventes da epidemia de ebola testam sêmen positivo sugerindo a possibilidade de transmissão sexual da doença.

Ressurgimento de IST’s conhecidas

Sífilis:

  • Permanece como problema de saúde pública mundial com 6 milhões de novos infectados no ano de 2016;
  • Desde última década tem aumentado entre homossexuais masculinos em muitos países;
  • Aumento tem sido importante entre homossexuais masculinos que fazem profilaxia pré-exposição ao HIV;
  • Aumento recente entre heterossexuais dos EUA, Japão e Austrália Com aumento das infecções congênitas;
  • Infeções anais entre homens homossexuais tem sido subnotificadas, pois tem poucos sintomas.

Gonorreia:

  • Tem sido relatada resistência bacteriana nos EUA (em torno de 550 mil novos casos resistentes à azitromicina, ceftriaxona ou ambos – as duas melhores drogas para tratamento);
  • Novas drogas têm sido testadas para o combate: solitromicina, zoliflodacin e gepotidacin.

Doenças desaparecidas ou controladas desde a década de 70 tem ressurgido com força total e prevalência aumentada, impulsionadas pelos aplicativos de encontros sexuais, a conectividade global, as viagens facilitadas ligando as pessoas e o número maior de pessoas usando profilaxia pré-exposição ao HIV.

O controle multimodal com assistência através de vacinas poderá retardar o surto dessas novas “velhas” doenças no nosso século. A experiência com o controle do HIV será fundamental para essa nova batalha biológica, que deverá envolver organizações governamentais e não governamentais e setor privado num esforço conjunto para o combate.

Referência bibliográfica:

  • Williamson DA, Chen MY. Emerging and Reemerging Sexually Transmitted Infections. N Engl J Med 2020;382:2023-32. DOI: 10.1056/NEJMra1907194

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