Mamografia de rotina reduz ou não a mortalidade por câncer de mama?

É inegável que o tratamento do câncer de mama evoluiu nos últimos anos, contudo ainda é importante avaliar o impacto da mamografia de rotina.

É inegável que o tratamento adjuvante do câncer de mama evoluiu nas últimas décadas, cirurgias mais ou menos invasivas, radioterapia com maior eficiência e menor toxicidade, melhores esquemas de quimioterapia e de tratamento hormonioterápicos, além da melhor compreensão da biologia tumoral com a separação dos tipos moleculares (luminais, triplo negativo, HER2 enriquecido). Contudo, permanece de fundamental importância avaliar o impacto do rastreamento populacional do câncer de mama com mamografia nas mulheres do público alvo, em especial dos 40-69 anos, mas porque não dizer também após 69 anos já que a expectativa de vida aumentou no mundo todo?

Dois estudos recentes endereçaram este assunto, sempre relevante e frequentemente polêmico, colocando muitas vezes em lados opostos os epidemiologistas, os gestores de saúde pública e privada dos radiologistas, ginecologistas, oncologistas e radio-oncologistas.

Leia também: Brasileiras estão realizando mais mamografias e utilizando métodos contraceptivos, segundo estudo

Estudo sueco

Um destes estudos avaliou a incidência de Câncer de Mama FATAL e casos AVANÇADOS em quase 550 mil mulheres suecas de 40-69 anos, o que corresponde a cerca de 30% da população alvo para o rastreamento naquele país. O esquema recomendado foi realizar a mamografia 2D a cada 18 meses entre os 40-54 anos e depois a cada 24 meses entre os 55-69 anos. Este novo endpoint analisado (incidência de Câncer de Mama FATAL após 10 anos do diagnóstico), foi escolhido pois em estudo prévio foi relatada uma redução de 60% nos casos fatais entre mulheres que fizeram rastreamento, embora esta análise tenha incluído apenas um condado daquele país. Esta nova análise ampliou (e muito) a população avaliada.

Foram encontrados 9.737 casos avançados e 2.473 óbitos no período de 10 anos após o diagnóstico. As mulheres que participaram do rastreamento mamográfico tiveram uma redução do risco de morte de 41% (relative risk, 0,59; 95% CI, 0,51-0,68 [p < 0,001]) e 25% menos casos de câncer avançados (relative risk, 0,75; 95% CI, 0,66-0,84 [p < 0,001]).

Incidência Cumulativa de Câncer de Mama Fatal dentro de 10 anos do diagnóstico

 

Incidência Cumulativa de Câncer de Mama Avançado dentro de 10 anos do diagnóstico

A conclusão dos autores é de que o rastreamento reduziu e muito a incidência de câncer de mama avançado e de câncer de mama fatal nas mulheres que se submeteram ao rastreamento. Além de que esses benefícios independem da evolução recentes dos tratamentos adjuvantes, uma vez que para cada paciente diagnosticada o protocolo de tratamento recebido foi compatível com o momento do diagnóstico e com o estadiamento, não importando o método de rastreio.

Saiba mais: Teste de sangue para detectar o câncer da mama pode substituir mamografia?

Estudo australiano

No outro estudo, pesquisadores australianos avaliaram o impacto do rastreamento e dos tratamentos adjuvantes na mortalidade, usando dados de 1986 até 2013 do Estado de Victoria de 75 mil casos de câncer de mama, estado que recomenda o rastreamento bianual para mulheres entre 50-69 anos. A incidência de câncer de mama avançado aumentou neste período (12,2 por 100.000 em 1986 para 23,9 por 100.000 mulheres em 2013). Já a mortalidade caiu significativamente (31,6 por 100.000 em 1982, para 23,9 por 100.000 em 2013, -1,3% de queda ao ano; 95% CI, -1,6% a -0,9%), sendo que neste período aumentou de forma significativa o uso de tamoxifeno e quimioterapia adjuvantes.

Os autores citam estudos semelhantes que mostraram incidência estável (ou até aumentada) de casos avançados em países que introduziram o rastreamento. E, considerando, as conclusões do estudo deles sugerem que o rastreamento endossado pelos órgãos de saúde pública deva ser abandonado (???), já que a redução da mortalidade se deve ao melhor tratamento adjuvante e não ao rastreamento populacional.

Então, como lidar com esses dados?

Nessas horas frequentemente me lembro do pensador da Medicina Sir William Osler (1849-1919) “Medicina é uma ciência de incertezas e uma arte de probabilidades”, acho complicado abandonar o rastreamento populacional baseado neste estudo, com todo o respeito aos pesquisadores australianos, e com o meu viés pessoal de tratar pacientes com câncer de mama, mesmo sabendo que meus tratamentos adjuvantes melhoraram nos últimos anos, eu sigo acreditando que o rastreamento tem mais benefícios do que riscos, e que sim pode reduzir a chance de mortalidade pelo câncer de mama e a chance de um câncer mais avançado. Sem contar que frequentemente vamos ter de fazer cirurgias mais radicais e tratamentos (neo)adjuvantes mais radicais para “compensar” o eventual diagnóstico mais tardio. Isso penaliza as pacientes e o sistema sobremaneira com tratamentos mais caros, mais mutilantes e mais tóxicos.

Neste Fla vs Flu científico, mamografia sim vs não contra o câncer de mama, ou melhor neste Suécia vs Austrália, fico com a Suécia. Mas lembrando de Osler mais uma vez “Só pedimos conselhos para apoiar nossas convicções”.

E você, o que acha?

Referências bibliográficas:

  • Duffy SW, Tabár L, Yen AM-F, Mammography Screening Reduces Rates of Advanced and Fatal Breast Cancers: Results in 549,091 Women; Cancer. 2020;0:1-9. DOI: 10.1002/cncr.32859.
  • Tabar L, Dean PB, Chen TH, et al. The incidence of fatal breast cancer measures the increased effectiveness of therapy in women participating in mammography screening. Cancer. 2019;125:515-523.
  • Burton R, Stevenson C. Assessment of breast cancer mortality trends associated with mammographic screening and adjuvant therapy from 1986 to 2013 in the state of Victoria, Australia. JAMA Netw Open. 2020;3(6):e208249. doi:10.1001/jamanetworkopen.2020.8249

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