Manejo de ansiedade e depressão pelo pediatra geral

Estudo revisou prontuários para avaliar as práticas de prescrição de inibidores seletivos de receptação de serotonina de pediatras gerais.

A prevalência de ansiedade e depressão aumentou globalmente. O pediatra geral é geralmente o primeiro profissional de saúde a ter contato com a criança ou adolescente com ansiedade ou depressão. As diretrizes atuais recomendam que o pediatra geral comece o tratamento do paciente com inibidor seletivo de receptação de serotonina (IRSR), encaminhe sempre para psicoterapia (principalmente terapia cognitivo comportamental) e, nos casos graves ou complexos, para o psiquiatra. Muitos pediatras sentem-se desconfortáveis para tratar esses transtornos por conhecimento limitado sobre como abordar, tratar farmacologicamente e para fazer alguns encaminhamentos.

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Lester e colaboradores publicaram em abril de 2023 na revista Pediatrics um estudo observacional retrospectivo com revisão de prontuários para avaliar as práticas de prescrição de inibidores seletivos de receptação de serotonina dos pediatras gerais de 25 consultórios particulares (afiliados a Hospital Lucile Packard Children e ao Hospital Stanford Children de São Francisco na Califórnia) diante de pacientes com ansiedade e/ou depressão. Qual motivo da prescrição, qual era a medicação específica usada, se encaminhavam para sub especialistas e psicoterapia, e o seguimento de eventos adversos como ideação e tentativa suicida. Aqui destacaremos os principais pontos discutidos nesse artigo.

Manejo de ansiedade e depressão pelo pediatra geral

Metodologia

Esse estudo observacional retrospectivo com revisão de prontuários incluiu pacientes vistos pelo menos uma vez por um pediatra geral entre 1º de outubro de 2015 e 1º de outubro de 2021, com diagnóstico de depressão e/ou ansiedade conforme a 10ª revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e que tiveram prescrição de ISRS (como citalopram, escitalopram, fluoxetina, fluvoxamina, sertralina, paroxetina, vilazodona e vortioxetina) por pediatra geral. Dos 180 pediatras gerais que trabalhavam nesses consultórios particulares, 37% (n: 67) dos pediatras gerais foram incluídos por terem prescrito ISRS.

Para permitir um efeito de comparação entre os grupos de diferentes faixas etárias com potência de 65 a 90%, foram selecionados aleatoriamente 35 pacientes com ansiedade ou depressão de 6 a 12 anos, 25 pacientes com ansiedade apenas com idade 12,1 a 18,9 anos, 25 pacientes com depressão apenas entre 12,1 e 18,9 anos, e 25 pacientes com ansiedade e depressão de 12,1 a 18,9 anos.

A ferramenta eletrônica REDCap foi usada para detectar a “consulta de primeira prescrição do ISRS”, a “consulta anterior” dentro de 12 meses da consulta de prescrição de ISRS e a “consulta subsequente” (até 12 meses) da primeira prescrição de ISRS.

Foram coletados os seguintes dados: demografia, comorbidades, motivo para o pediatra iniciar ISRS, encaminhamento para psicoterapia, psiquiatra/pediatra especialista em desenvolvimento e comportamento, e outros tratamentos, gravidade do transtorno por ferramenta validada (ex. Generalized Anxiety Disorder-7 [GAD-7]).

A análise estatística foi feita no SPSS 26 and 27. Um teste qui-quadrado de independência determinada associação entre anterior prescrição de medicamentos por um pediatra de desenvolvimento ou psiquiatra e presença de uma consulta de acompanhamento de medicamentos. Como análise secundária, foram feitos dois modelos de regressão logística para determinar os efeitos de idade, sexo, tipo de plano de saúde e comorbidade na probabilidade do paciente ser encaminhado para psiquiatra especialista em comportamento e desenvolvimento ou para psicoterapia.

Resultados

Dos 110 pacientes incluídos, 58% eram meninas e 42% eram meninos, 60% tinham plano de saúde, 49% (n:54) tinham comorbidades comportamentais ou de saúde mental (31 com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, oito com transtorno do espectro autista, 6 com transtorno obsessivo compulsivo e cinco com transtornos alimentares.

Quantos aos ISRS, foram prescritos para os 110 pacientes: sertralina em 37% dos casos, fluoxetina em 30% dos casos e citalopram em 7% dos casos. Não foram prescritos outros ISRS no grupo estudado.

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Na consulta de 1ª prescrição de ISRS, 82% (n: 90) dos pediatras documentaram a razão para começar o ISRS, 57% (n:63) iniciaram por alteração clínica como piora dos sintomas, sintomas graves ou comprometimento funcional, 20% documentaram como manutenção de ISRS prescrito por sube specialista, 5% (n:6) por preferência da família, 5% (n:5) por sugestão do psicoterapeuta e 1% (n:1) por não ter acesso a outros tratamentos.

Sobre os encaminhamentos, 30% (n: 33) foram encaminhados para sub especialista (psiquiatra/especialista em comportamento e desenvolvimento), 33% (n:37) foram encaminhados para psicoterapia não especificada e apenas 4% (n: 4) para terapia cognitivo comportamental. Dos 69 pacientes com uma consulta subsequente, 48% (n: 33) tinham registro de efeitos colaterais monitorados e 34% (n:23) com monitorização específica para suicídio.

Não houve diferença estatística significativa na chance do paciente ser encaminhado para sub especialista dependendo de suas características clínicas. Também não houve diferença significativa na existência de consulta de seguimento se o paciente tivesse ISRS prescrito previamente por sub especialista.

Outras abordagens recomendadas pelos pediatras gerais do estudo na consulta de 1ª prescrição de ISRS: nutrição (34%, n: 37), higiene do sono (20%, n: 22), exercício (16%, n: 18), medicina alternativa para ansiedade e/ou depressão (6%, n:7), rastreio de distúrbio tireoidiano por meio de dosagem de hormônios tireoidianos e de anemia (9%, n:10), e educação em saúde sobre o tema (8%, n: 9).

O intervalo médio entre “consulta de 1ª prescrição do ISRS”, e a “consulta subsequente” foi de 79 dias (mediana de 30 dias; variando de 7 a 365 dias). Somente 68 dos 110 pacientes tiveram consulta de seguimento.

Discussão e conclusão

O artigo é interessante à medida que explora a prescrição de ISRS por pediatras gerais diante de depressão ou ansiedade, mas tem a limitação de enfocar apenas na prescrição dessa classe de medicamentos, não analisar os pacientes que não receberam outros medicamentos ou até não foram medicados. Ressalta-se que apenas um terço dos pacientes foi encaminhado para psicoterapia, a qual é um dos maiores pilares do tratamento, e apenas 61% tiveram consulta de seguimento.

Esse artigo reforça a importância de tornar acessíveis ferramentas eletrônicas de rastreio de depressão ou ansiedade a fim de permitir que os pediatras gerais diagnostiquem e tratem os pacientes, ressaltamos a importância de encaminhar para psicoterapia (especialmente terapia cognitivo comportamental) assim como fazer consultas de seguimento com menor intervalo entre elas, monitorar efeitos colaterais das medicações e tentativa/ideação suicida.

Mensagem prática

A integração do cuidado entre os profissionais de saúde assistentes e a família é fundamental para o adequado tratamento do paciente.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Lester TR, Herrmann JE, Bannett Y, Gardner RM, Feldman HM, Huffman LC. Anxiety and Depression Treatment in Primary Care Pediatrics. Pediatrics. 2023;e2022058846. DOI: 10.1542/peds.2022-058846