Manejo de diabetes em instituições de longa permanência

A atenção ao cuidado do paciente idoso com diabetes em instituições de longa permanência se inicia na individualização do tratamento.

Como discutimos no texto anterior abordando a prevalência e impacto de diabetes (DM) em idosos que habitam instituições de longa permanência, a prevalência de DM vem aumentando ao longo dos anos em todas as faixas etárias, sobretudo nos mais idosos, nos quais acomete cerca de 25% dos indivíduos entre 65 e 75 anos de idade (dados dos Estados Unidos) e 40% acima dos 80 anos.

Vale relembrar e destacar que a previsão nos EUA é mais do que dobrar o número de pacientes idosos diagnosticados com diabetes em 2050 — dados de 2018 mostraram uma prevalência de diabetes em idosos de cerca de 11 milhões, enquanto a previsão para 2050 é atingir a marca de 26 milhões. Somado ao envelhecimento da população e o surgimento de instituições de longa permanência (ILPs), se tornou fundamental entendermos mais sobre o manejo do diabetes nesse cenário, uma vez que se trata de um ambiente diferente do hospitalar, mas ao mesmo tempo não completamente ambulatorial.

Foi publicado no BMJ diabetes em 2022 uma excelente revisão sobre o manejo do diabetes em idosos que habitam ILPs. Neste texto abordaremos diretamente esse tópico.

em instituições de longa permanência

Diabetes em idosos

A prevalência nos EUA de idosos com diabetes que moram em instituições de longa permanência (ILPs) é entre 20 e 34%, sendo que 86% têm mais de 65 anos, totalizando cerca de 1,3 milhões de moradores. Aplicadas as proporções dos estudos de prevalência, é fácil concluir que se trata de um tema de suma importância dado a sua frequência e possíveis consequências.

A atenção ao cuidado do paciente idoso com diabetes (consideremos aqui idoso como indivíduo maior que 65 anos) se inicia ao se individualizar o tratamento para determinado paciente. Pacientes da mesma idade podem ter alvos diferentes de hemoglobina glicada (A1c) e alvos glicêmicos conforme seu risco de hipoglicemia, fragilidade, expectativa de vida, polifarmácia e comorbidades como doença renal crônica (DRC), síndromes demenciais, etc.

Objetivos do tratamento do diabetes em idosos

Em primeiro lugar, a revisão traz como ponto fundamental que o tratamento deve ser individualizado para as comorbidades e com um objetivo simples: ter um controle adequado que ao mesmo tempo evite ou ao menos reduza o risco de hipoglicemias.

O primeiro passo é compreender os alvos glicêmicos. Considerando tudo o que foi exposto, o alvo glicêmico deve sempre ser mais conservador:

  • Glicemia de jejum/pré-prandial: 100 a 140 mg/dL
  • Glicemia 2 horas pós alimentação: 140 a 180 mg/dL

A meta de hemoglobina glicada (a1c) também deve ser mais conservadora nessa situação.  Em pacientes funcionais, saudáveis e com poucas comorbidades coexistentes, a American Diabetes Association (ADA) recomenda manter, desde que sem hipoglicemias, uma A1c < 7,5%. Em idosos com múltiplas comorbidades, declínio cognitivo ou dependentes funcionalmente, a meta deve ser afrouxada para 8,0 a 8,5% (deixando uma meta mais elevada para aqueles que tenham mais comorbidades e/ou mais frágeis). Uma observação interessante é que, caso o paciente esteja em uso de insulina ou secretagogos, é aceitável manter uma hemoglobina glicada ainda mais “frouxa”, com uma margem de mais 0,5% de A1c.

O que deve ficar claro é que, para essa população, quanto menor a expectativa de vida, mais comorbidades e maior risco de hipoglicemia, maior deve ser o alvo glicêmico, uma vez que o risco de episódios frequentes de hipoglicemias pode ser muito maior que o benefício de um controle intensivo do diabetes.

Hoje, com o avanço do tratamento e novas medicações, existem opções mais seguras que secretagogos para se utilizar como terapia add-on e mesmo insulinas que acarretam menor risco de hipoglicemias (como a glargina U300 ou degludeca), como veremos em um dos tópicos adiante.

Tratamento e prevenção de hipoglicemias

Hipoglicemias são um problema grave de ILPs. Estudos retrospectivos apontam que cerca de 42% entre todos os residentes de ILPs (não só diabéticos) apresentaram pelo menos um episódio de glicemia < 70 mg/dL e 7% experimentaram uma glicemia < 54 mg/dL. As hipoglicemias são muito mais frequentes em usuários de insulina (64%) e sulfonilureias (18,8% a 34%) e são o principal fator limitante à otimização do tratamento do DM. A primeira medida é, como vimos no tópico anterior, afrouxar o tratamento de pacientes em maior risco para hipoglicemias, atentando sobretudo ao próprio antecedente pessoal de hipoglicemias e declínio cognitivo, onde existe um grande risco do paciente se apresentar de forma oligossintomática, não ser capaz de relatar sintomas de forma adequada ou ainda de que seus sintomas se sobreponham aos da síndrome demencial, dificultando o reconhecimento por parte dos cuidadores.

A polifarmácia é um dos maiores preditores. Um estudo que buscou avaliar o seu impacto demonstrou que os pacientes de ILPs recebem em média 7,2 medicações e 69,5% tiveram pelo menos um erro em sua reconciliação medicamentosa. Lembrando que o erro na administração das medicações é outro fator importante.

Vale destacar que um estudo observacional mostrou que pacientes em ILPs com diabetes que apresentaram episódios de hipoglicemia comparado àqueles que não apresentaram, tiveram um maior tempo de estadia em ILPs (52 vs 29 dias, p < 0,001), maior taxa de hospitalização ou visitas à emergência (44 vs 34%, p = 0,005) e maior mortalidade (20% vs 10%, p = 0,002).

Então, como reduzir os episódios de hipoglicemia?

  • Evitar uso de secretagogos (sulfonilureias);
  • Monitorar ingesta oral dos alimentos e/ou aporte nutricional enteral/parenteral;
  • Dieta mais liberal, visando otimizar a ingestão alimentar e hídrica;
  • Monitorar doses de glicocorticóides e eventuais desmames que podem acarretar em variações na resistência à ação da insulina;
  • Sincronizar horário da refeição com o de aplicação da insulina prandial (fundamental);
  • Evitar esquemas “sliding scale” de insulina rápida;
  • Estabelecimento de protocolos para tratamento de hipoglicemias, privilegiando o uso de glicose 15 gramas via oral em pacientes com capacidade de deglutir e repetir a aferição da glicemia 15 minutos depois;
  • Sempre reavaliar a causa da hipoglicemia uma vez que essa seja resolvida;
  • Kits de emergência contendo glucagon 1 mg podem ser fundamentais para auxiliar pacientes inconscientes (tanto de forma subcutânea como intramuscular, intranasal ou mesmo EV, de acordo com a disponibilidade e recomendações do fabricante). Vale ressaltar a falta de ensaios clínicos relativos ao uso e implementação do glucagon em ILPs.

Uso de tecnologias em ILPS

O padrão da monitorização em ILPs atualmente é feito, como na maioria dos cenários, a partir da medida da glicemia capilar. No entanto, há cada vez mais evidências para o uso ambulatorial e mesmo intra-hospitalar dos monitores contínuos de glicemia (CGMs). No cenário intra-hospitalar, o uso do CGM se mostrou superior à monitorização habitual das glicemias capilares na detecção tanto de hipoglicemias como de eventos hiperglicêmicos. Além disso, novas tecnologias já estão sendo empregadas em alguns centros para a transmissão do leito para um monitor central, capaz de transformar a glicemia em um dado contínuo de monitorização/telemetria, facilitando a detecção de eventos de risco. Estudos mostram uma boa acurácia de CGMs mesmo em pacientes com doença renal crônica, cardiovascular, anemia leve ou doenças respiratórias; no entanto, ainda existe a limitação sobretudo em pacientes com edema significativo e menor acurácia nas hipoglicemias graves.

A importância futura (e por que não atual!) desses monitores pode ser ilustrada pelo fato de que cerca de 50% dos episódios de hipoglicemia acontecem de forma assintomática e no período noturno, entre o jantar e o jejum do dia seguinte, o que significa que a forma atual de aferição de glicemias capilares perde metade dos episódios. Ainda são necessários mais estudos prospectivos para avaliação da segurança e eficácia do uso dos CGMs nas ILPs, mas existe um grande potencial.

Medicações        

Iniciando pelas medicações orais, a metformina é uma opção segura e eficaz no cenário ambulatorial, mesmo para idosos. É importante lembrar de não se utilizar em clearances < 30 ml/min, IC aguda e doença hepática ativa descompensada. No entanto, devido seu risco de acidose, efeitos colaterais levando a náuseas e diarreia e assim potencialmente atrapalhando aspectos nutricionais, é preciso ter cautela. Seu uso intra-hospitalar não é recomendado e em ILPs ainda se fazem necessários mais estudos nesse cenário para avaliação de sua eficácia e risco. Portanto, ainda não é recomendado de maneira geral manter seu uso em ILPs.

As glitazonas também devem ser evitadas, considerando seu maior risco de edema e descompensação de IC, uma vez que a prevalência de IC em ILPs é de cerca de 20 a 37,4%, além da piora da massa óssea e maior risco de fraturas gerado por esta classe. Como mencionado anteriormente, sulfonilureias acarretam maior risco de hipoglicemias e não são recomendadas de forma geral em cenários hospitalares — em ILPs não deve ser diferente.

Um dos destaques para uso nas ILPs são os inibidores de DPP-4. Apesar de sua potência não ser das maiores (redução média de cerca de 0,5% na A1c), seu perfil de segurança em idosos é extremamente atrativo, uma vez que pode ser utilizado mesmo com taxa de filtração glomerular (TFG) menor, são neutros do ponto de vista de peso e apresentam baixíssimo risco de hipoglicemias. Um RCT realizado em ILPs mostrou ainda que iDPP-4 podem ser tão efetivos quanto a insulina glargina para o controle inicial da glicemia nesse cenário, com menos efeitos colaterais.

Quanto aos agonistas de GLP-1, devemos ter cuidado sobretudo pelos seus efeitos colaterais gastrointestinais e perda de peso, levando em conta que a prevalência de desnutrição é de cerca de 18-21% em ILPs.

Não há estudos realizados em ILPs quanto ao uso de inibidores de SGLT-2, porém esta é uma classe que pode trazer diversos benefícios secundários, considerando a alta prevalência de IC e DRC nas ILPs. No entanto, é preciso atentar que infecções do trato urinário são frequentes nas ILPs e essa classe pode aumentar o risco. Além disso, a diurese osmótica promovida pelo seu mecanismo de ação pode colaborar para desidratação. Vale lembrar que seu efeito diurético também pode complicar uma população onde cerca de 70% dos pacientes de ILPs apresentam algum grau de incontinência urinária. Aguardemos estudos abordando essa população para melhor definição sobre o tema.

Por fim, quanto às insulinas, apesar do risco de hipoglicemias, são medicações eficazes e recomendadas para o tratamento do DM nas ILPs. Utilizar insulina basal reduz o risco de hipoglicemias quando comparado a esquemas “sliding scale” e, portanto, deve ser a primeira opção. Em geral, podemos iniciar na dose de 0,1 U/kg/d, idealmente uma insulina basal de longa duração como glargina ou degludeca, titulando lentamente (1-2x na semana) com o objetivo de se atingir uma glicemia de jejum < 150-180 mg/dL ou A1c < 7,5 a 8,0%. Se não for suficiente, é recomendado passar para um esquema basal-bolus iniciando com 0,2 a 0,3 U/kg/d, 50% basal e 50% bolus (prescrito nos horários de refeições). 

Mensagem final

O tratamento do DM em ILPs ainda carece de evidências científicas, sobretudo na avaliação da eficácia e segurança no uso de medicações. Muitos dos conceitos atuais advêm do cenário intra-hospitalar, mas sabemos que as ILPs refletem um cenário “intermediário” entre o hospital e o ambulatório e nem todos os riscos atrelados ao hospital estão ali presentes.

No entanto, por se tratar de uma população já excluída mesmo dos grandes trials ambulatoriais, ficamos à mercê de algumas extrapolações e de opiniões de especialistas para seu manejo. Contudo, mais do que identificar novas terapias, é fundamental destacarmos que muito pode ser feito no sentido de se reduzir o risco de complicações com organização, protocolos bem estabelecidos e medidas seguras.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.
Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Idrees T, Castro-Revoredo IA, Migdal AL, Moreno EM, Umpierrez GE. Update on the management of diabetes in long-term care facilities. BMJ Open Diabetes Res Care. 2022 Jul;10(4):e002705. DOI: 10.1136/bmjdrc-2021-002705.
  • Newton CA, Adeel S, Sadeghi-Yarandi S, Powell W, Migdal A, Smiley D, Olson D, Chambria R, Pinzon I, Toyoshima M, Nagamia Z, Peng L, Johnson T, Umpierrez GE. Prevalence, quality of care, and complications in long term care residents with diabetes: a multicenter observational study. J Am Med Dir Assoc. 2013 Nov;14(11):842-6. DOI: 10.1016/j.jamda.2013.08.001.

Especialidades

Tags