A artrite reumatoide (AR) é uma das artropatias inflamatórias mais prevalentes em todo o mundo, acometendo preferencialmente mulheres entre 35-50 anos. O tratamento da doença consiste em iniciar medicamentos modificadores do curso da doença (DMARDs) precocemente, visando atingir alvos terapêuticos estritos (treat-to-target), o que possibilita a redução no surgimento de danos articulares e, consequentemente, incapacidade funcional.
Diferentes medicamentos foram recentemente aprovados no tratamento da AR, com destaque para biológicos e DMARDs sintéticos alvo específicos.
Para contemplar essa evolução recente no tratamento, foi necessária a atualização dos guidelines do American College of Rheumatology (ACR) para o tratamento da AR. Os últimos haviam sido publicados em 2015.
Leia também: Como o treat-to-target na artrite reumatoide (AR) funciona em cenários de vida real?
Princípios
O objetivo do tratamento é a remissão (preferível) ou a baixa atividade de doença (alternativo, em caso de impossibilidade de se atingir remissão sem aumentar significativamente o custo ou o risco de eventos adversos), medidos através de escores compostos de atividade de doença validados pelo ACR (DAS28, CDAI, SDAI).
As decisões terapêuticas devem ser avaliadas após, no mínimo, 3 meses de tratamento com o esquema atual e devem levar em conta eficácia e tolerabilidade. O ACR reconhece a importância da decisão compartilhada, com a participação ativa dos pacientes nas decisões terapêuticas.
Recomendações
1. Início de terapia em pacientes virgens de tratamento:
- Moderada a alta atividade de doença: o metotrexato (MTX) em monoterapia é preferível nesta situação, quando comparado com as demais opções terapêuticas. O mesmo é válido para pacientes em moderada a alta atividade, tratados com outros DMARDs sintéticos convencionais (csDMARDs), porém virgens de metotrexato.
- Baixa atividade de doença: os autores recomendam uma ordem de preferência diferente da habitual nesse contexto, a saber: hidroxicloroquina > sulfassalazina > metotrexato > leflunomida, baseada em grau de certeza muito baixo.
- Sempre que possível, evitar o uso concomitante de corticoide ao iniciar o uso dos DMARDs sintéticos convencionais. Se o corticoide for necessário, evitar uso prolongado (> 3 meses).
2. Para início do MTX:
- Prefira via oral e comece com a dose de 15 mg/semana (em caso de início com doses menores, esta deve ser atingida dentro de 4-6 semanas);
- Em caso de intolerância ao MTX oral, deve-se tentar fracionar a dose ao longo das 24 horas do dia, trocar para via subcutânea e/ou aumentar a dose do ácido fólico, ao invés de trocar para outro DMARD;
- Se o paciente não atingir o alvo com MTX via oral, deve-se tentar a troca para via subcutânea antes de se acrescentar ou trocar para outro DMARD.
3. Modificação do tratamento:
- A abordagem treat-to-target é fortemente recomendada para pacientes em início de tratamento e condicionalmente recomendada para pacientes com falha aos bDMARDs (biológicos) e tsDMARDs (alvo específicos);
- O alvo terapêutico inicial recomendado é a baixa atividade de doença;
- Os autores recomendam que se dê preferência aos bDMARDs ou tsDMARDs (vs. terapia tríplice) em paciente que apresentam resposta inadequada às doses máximas de MTX;
- Para pacientes com resposta inadequada a bDMARDs ou tsDMARDs, é preferível a troca por outro mecanismo de ação;
- Além disso, recomenda-se a troca ou adição (se compatível) de DMARD caso o paciente necessite de corticoides para se manter no alvo. O objetivo é a suspensão da corticoterapia, se possível. Isso também é válido para corticoides intra-articulares.
4. Redução da dose de DMARDs
- Os graus de certeza sobre essas condutas são baixos, então os autores recomendaram uma ordem de preferência para sua realização: manter dose atual > redução da dose > descontinuação gradual > descontinuação abrupta;
- Para pacientes com terapia tríplice, sugere-se a descontinuação gradual de sulfassalazina, ao invés de hidroxicloroquina, mantendo o MTX;
- Para pacientes em uso de bDMARDs ou tsDMARDs + MTX, é preferível a redução progressiva da dose do MTX, ao invés de reduzir a dose do bDMARD ou tsDMARD.
5. Situações específicas/especiais:
- Nódulos subcutâneos: preferir MTX. Em caso de progressão dos nódulos, trocar para outro DMARD;
- Doença pulmonar: em caso de doença pulmonar leve e estável, o uso de MTX é recomendado para o tratamento de pacientes com doença em moderada a alta atividade;
- Insuficiência cardíaca: dentre os bDMARD e os tsDMARD, preferir os não anti-TNF em pacientes com IC NYHA III e IV (contraindicações ao uso de anti-TNF). Caso o paciente desenvolva IC durante o uso de anti-TNF, realizar a troca para outra classe;
- Doenças linfoproliferativas: preferir o uso de rituximabe, em caso de moderada a alta atividade de doença;
- Infecção crônica por HBV: a profilaxia de reativação do HBV é fortemente recomendada para pacientes positivos para o anti-Hbc e em uso de rituximabe, independente do status para o anti-Hbs. Para pacientes anti-Hbc positivos e HbsAg negativos em programação de bDMARD não-rituximabe ou tsDMARD, a monitorização frequente com PCR para HBV-DNA é recomendada (vs. profilaxia de reativação);
- Doença hepática gordurosa não alcoólica (NAFLD): metotrexato é condicionalmente recomendado (vs. outros DMARDs) para pacientes com NAFLD sem alteração de transaminases ou provas de função hepática e ausência de evidências de fibrose;
- Hipogamaglobulinemia persistente na ausência de infecções: pacientes bem controlados com rituximabe podem ser mantidos com a medicação;
- Infecções graves prévias: preferir tratamentos com csDMARDs (vs. bDMARDs ou tsDMARDs) para pacientes com infecções graves nos últimos 12 meses. No entanto, é preferível realizar a troca/adição de qualquer tipo de DMARD do que aumentar doses de corticoide, para pacientes com doença em atividade moderada a grave;
- Micobacterioses pulmonares não tuberculose: tentar reduzir (de preferência retirar) corticoide e preferir csDMARDs (vs. bDMARDs ou tsDMARDs). Caso seja necessário o uso de bDMARDs ou tsDMARDs, preferir o abatacepte.
Comentários
Para detalhamentos a respeito de cada nível de evidência e grau de certeza das recomendações, favor dirigir-se para o documento original (link nas referências), que tem acesso gratuito.
Referências bibliográficas:
- Fraenkel L, Bathon JM, England BR, et al. 2021 American College of Rheumatology Guideline for the Treatment of Rheumatoid Arthritis. Arthritis Rheumatol. 2021. doi:10.1002/art.41752.