Qual o papel da elastografia hepática na hepatite B?

Elastografia hepática transitória é um exame não invasivo que estima o grau de fibrose através da rigidez hepática.

A hepatite B crônica ainda é um grande problema de saúde pública, sendo responsável por mais de um milhão de mortes/ano a nível global. Dentre os infectados, 15 a 40% podem evoluir com cirrose hepática e carcinoma hepatocelular. Trata-se de entidade clínica que, muitas vezes, requer avaliação do grau de inflamação e fibrose hepática para definir indicação de terapia antiviral. O padrão ouro para essa avaliação é a biópsia hepática, que é um exame invasivo. A elastografia hepática transitória é um exame não invasivo que estima o grau de fibrose através da medida da rigidez hepática, tendo boa correlação com a biópsia. Dessa forma, permitindo o estadiamento da doença e auxiliando na definição da terapia.

No final de janeiro de 2022, foi publicado um artigo que avaliou a eficácia diagnóstica da elastografia hepática por FibroScan em predizer inflamação hepática, utilizando 1.185 biópsias hepáticas como controle.

Qual o papel da elastografia hepática na hepatite B?

Métodos

O estudo foi realizado na China, sendo submetido ao comitê de ética local. Foram selecionados 1.185 pacientes com hepatite B submetidos a elastografia por FibroScan e após um mês biópsia hepática como controle (padrão-ouro).

Os critérios de exclusão foram: cirrose hepática; CHC; níveis elevados de bilirrubina total; outras causas de hepatopatia crônica (causas metabólicas, doenças autoimunes do fígado, coinfecção com HIV, HCV e HDV, abuso de álcool ou drogas ilícitas); tratamento com análogos de nucleosídeos ou interferon dentro de 24 semanas; uso de drogas hepatotóxicas; transtornos mentais graves ou comorbidades descompensadas; IMC ≥ 28,0 kg/m²; gravidez ou lactação.

O FibroScan foi realizado com jejum adequado (pelo menos 2 horas após a ingestão de alimentos), por operadores treinados, com pelo menos 500 exames realizados. A medida da rigidez hepática utilizou a unidade de kilopascal (Kpa). A biópsia hepática foi guiada por ultrassom, sendo realizada dentro de 1 mês após a conclusão do teste FibroScan. A amostra de tecido hepático apresentava pelo menos  1,5 cm. O estágio da fibrose hepática foi determinado de acordo com o sistema METAVIR. O diagnóstico histopatológico foi concluído por 2 patologistas experientes. Quando os resultados eram inconsistentes, o chefe da patologia fornecia o parecer e o caso era levado à sessão disciplinar.

A análise estatística contou com avaliação de área sob a curva, comparando os resultados do FibroScan com a biópsia hepática.

Leia também: Mais um tratamento para hepatite B é incorporado ao SUS

Resultados

Dentre os 1.185 pacientes incluídos:

  • 75%: sexo masculino
  • 658 casos: HbeAg positivo – mediana de idade:31 anos;
  • 527 casos: HbeAg negativo – mediana de idade: 37 anos;
  • Taxa de sucesso do FibroScan foi maior que 90%, com rigidez hepática média de 11,96 kPa;
  • Biópsia hepática evidenciou esteatose hepática em 23% dos casos,  não havendo diferença significativa do grau de inflamação e fibrose nos subgrupos com ou sem esteatose;
  • Houve diferença significativa na avaliação de inflamação hepática pela biópsia hepática ao comparar os grupo com amostra com 11 ou mais espaços-porta ou até 10 espaços-porta;
  • Para diferentes graus de inflamação hepática, houve diferença significativa nos valores de ponto de corte da rigidez hepática média estimada por FibroScan.

Discussão

A atividade inflamatória é um fator diretamente relacionado ao desenvolvimento de fibrose em pacientes com hepatite B crônica. A biópsia hepática ainda é o padrão ouro no estadiamento de graus de inflamação e fibrose hepática nesses pacientes, contudo é um método invasivo, com maior risco de complicações. Dessa forma, a utilização de testes não invasivos, como a elastografia hepática auxilia no seguimento desses pacientes, permitindo planejamento terapêutico, sendo cada vez mais utilizados nas diretrizes de tratamento da hepatite B.

O valor da rigidez hepática média pelo FibroScan estima o grau de fibrose e, até certo ponto,  o grau de inflamação hepática. Estudos anteriores já demonstraram que inflamação necrosante altera a rigidez hepática, contudo requer validação.  No estudo em questão, houve uma amostra significativa de pacientes, mostrando que apesar de esteatose hepática concomitante, os graus de fibrose e inflamação não sofreram alterações significativamente estatísticas.

Como a biópsia hepática é o padrão ouro de diagnóstico, o desempenho dos demais métodos não invasivos é avaliado pelo cálculo da área sob a curva do gráfico comparando os dois métodos. Dessa maneira, é muito importante estabelecer um padrão de qualidade do exame histológico, sendo recomendado a presença de 11 ou mais espaços- porta, para evitar falsos negativos. Além disso, é importante que o tecido hepático não esteja fragmentado. No estudo citado, havia 82% de amostras histológicas adequadas.

E como estimar a confiabilidade da elastografia transitória?

  • Avaliação com pelo menos 10 medições;
  • Taxa de sucesso de medições ≥ 60%;
  • Razão de intervalo interquartil e mediana(IQR/M)  ≤ 0,30.

O estudo avaliado apresentou uma taxa de sucesso de mais de 90%, com IQR/M da rigidez hepática média adequado nos 1.185 pacientes com HBC: 70% (IQR/M ≤ 0,10), 23% (0,10 < IQR/M ≤ 0,15), 4% ( 0,15 < IQR/M ≤ 0,20) e 3% (0,20 < IQR/M ≤ 0,3), respectivamente.

O grau de inflamação foi diretamente relacionado ao estágio da fibrose. O valor da rigidez hepática média também pode refletir o grau de inflamação hepática.

Através de análise estatística, foram determinados pontos de corte através das medidas da área sob a curva  da rigidez hepática média para os diferentes grupos de inflamação: G2 – 9,6 kPa, G3- 9,7 kPa e G4 – 11,4 kPa.

Em relação à estimativa de inflamação hepática, os pontos de corte de rigidez hepática média para G2-8,6 kPa, G3- 9,8 kPa e G4- 11 kPa.

Um outro estudo relevante evidenciou que a atividade de inflamação do fígado acima de 2 (OR = 3,53) foi um fator de risco independente para diagnóstico incorreto do estágio de fibrose usando o FibroScan, pois esses pacientes apresentaram valores de rigidez hepática mais altos usando o FibroScan, aumentando erro diagnóstico. Por exemplo, um paciente com rigidez hepática média de 11 kPa, tem os valores máximos para inflamação e fibrose. Nesse momento, a biópsia hepática auxilia na diferenciação de ambos.

Saiba mais: Screening universal de anticorpos para hepatite B e vacinação na gravidez

Durante a terapia antiviral, há melhora importante principalmente do estágio de inflamação, que indica que o valor da rigidez hepática média do FibroScan reflete principalmente a recuperação da inflamação hepática em vez da fibrose hepática.

As principais limitações do estudo foram a necessidade de uma avaliação multicêntrica, visto que apesar do N relevante, o estudo incluiu apenas pacientes da China e a ausência de ajuste do impacto da fibrose hepática nas leituras da elastografia.

Mensagens finais

O tratamento da hepatite B requer, em muitos casos, uma avaliação do grau de inflamação e fibrose hepática. Devido a riscos inerentes a um procedimento invasivo, a biópsia hepática vem sendo reservada para casos onde há dúvida diagnóstica e na propedêutica do caso. Esse estudo, apesar de unicêntrico, incluiu um número grande de pacientes com hepatite B crônica, permitindo avaliar a importância da elastografia hepática no seguimento desses pacientes.

É relevante destacar a relação direta entre grau de inflamação e fibrose hepática, necessidade de amostras adequadas da biópsia hepática para avaliação/comparações adequadas e importância de uma avaliação cuidadosa do grau de fibrose em pacientes com inflamação avançada. Logo, a elastografia hepática é uma grande aliada na hepatite B crônica, principalmente naqueles pacientes onde há dúvida de indicação de tratamento com antiviral.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.
Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Jiang K, Zhang L, Li J, et al. Diagnostic efficacy of FibroScan for liver inflammation in patients with chronic hepatitis B: a single-center study with 1185 liver biopsies as controls. BMC Gastroenterol. 2022;22(1):37. Published 2022 Jan 29. doi:10.1186/s12876-022-02108-0
  • Huang LL, Yu XP, Li JL, et al. Effect of liver inflammation on accuracy of FibroScan device in assessing liver fibrosis stage in patients with chronic hepatitis B virus infection. World J Gastroenterol. 2021;27:641–653. DOI: 10.3748/wjg.v27.i7.641

Especialidades