Aumento do uso de fentanil: considerações aos profissionais de saúde

Com o exemplo da população americana, é importante que o Brasil tome atitudes proativas para impedir o mercado clandestino de fentanil.

O uso de opioides de forma indiscriminada e sem prescrição e orientação médica já é uma realidade na população americana há anos, principalmente devido a prescrições médicas constantes de substâncias a base de opioides para promoção de analgesia em pacientes em pós-operatório imediato e pacientes com dor crônica. Apesar de essas medicações serem apenas vendidas sob restrito controle, o abuso entre a população não foi evitado, e o aparecimento de mercados ilícitos para a venda dessas drogas cresceu na sociedade, facilitando o acesso ao seu uso.   

Leia mais: Qual é a necessidade do uso de opioides após cirurgias do membro superior?

Essa realidade social também está acontecendo na população brasileira e vem sendo objeto de preocupação entre profissionais da área de saúde e órgãos de saúde pública. Em 2015, isso foi evidenciado pelo National Survey on Substance Use, que demonstrou uma grande proporção de pessoas usuárias de opioides sem recomendação médica no Brasil. Além do uso de opioides, também se evidenciou o uso de outras substâncias concomitantes, como álcool e benzodiazepínicos.  

Segundo a ANVISA, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, houve um aumento de mais de 500% da venda de opioides no Brasil entre os anos de 2009 e 2015, com ênfase em medicações a base de codeína e oxicodona. Em 2023, foi reportado, pela primeira vez, o aparecimento de um mercado ilícito de opioides em uma cidade do estado do Espírito Santo – até então, esse mercado clandestino era desconhecido. 

Na época da pandemia pela covid-19, o Brasil foi um dos países que mais sofreu com óbitos e hospitalizações. Principalmente devido à dificuldade na distribuição de vacinas, muitos pacientes desenvolveram a forma grave da doença e necessitaram de ventilação artificial, com o uso de fentanil em grande quantidade para manutenção em prótese ventilatória. Ainda não se pode afirmar que esse fato tenha estimulado o aumento do uso da droga na população atual, mas, segundo os especialistas, é um fator a ser considerado. 

Em uma análise socioeconômica e cultural entre duas populações, dos Estados Unidos e do Brasil, a população brasileira usuária de opioides difere-se da população americana. No Brasil, a maioria dos usuários é do sexo feminino, segundo uma pesquisa realizada em 2015, e apresentam um padrão financeiro mais elevado, uma vez que essas drogas ainda não fazem parte oficial de nenhum cartel de drogas no país. Além disso, o consumo recreacional de substâncias ilícitas, como heroína, fentanil e seus derivados, ainda é bastante oneroso para a população geral, analisando a baixa renda per capta do país e a desvalorização da moeda brasileira.  

No Brasil, a droga com maior distribuição pelos cartéis continua sendo a cocaína. Enquanto os Estados Unidos é o destino das rotas internacionais de drogas provenientes do México, da América Central e da América do Sul, o Brasil é historicamente conhecido como mercado e rota de cocaína. E, enquanto o mercado ilícito de opioides já se encontra estabelecido nos Estados Unidos há décadas, esse mercado aparentemente ainda está começando a aparecer em solo brasileiro. 

Apesar de esse mercado ainda não estar estabelecido no Brasil, é importante levar como exemplo a situação da população americana, a fim de impedir que um cenário parecido comece a ser construído em nosso país. A mistura de fentanil com cocaína é uma porta de entrada para esse comércio ilegal, da mesma forma que aconteceu na América do Norte.  

Por conta disso, a ANVISA decidiu impor restrições à manipulação de precursores do fentanil, seguindo as normas da UNODC (United Nation Office on Drugs and Crime), um guideline prático, baseado em evidências e guiado para promover um controle rígido e seguro da manipulação e fabricação de drogas sintéticas, principalmente das derivadas dos opioides. 

Veja também: ACP 2023: Uso de opioides para alívio da dispneia

Comentário final 

Com esse exemplo da população americana, é importante que o Brasil tome atitudes proativas que impeçam o desenvolvimento de um mercado clandestino de fentanil. Algumas atitudes que as autoridades específicas brasileiras podem desenvolver para evitar uma crise de opioide no Brasil seriam: 

  • investimento em estudos observacionais e rígido controle da mudança de padrões que possam estar relacionados ao uso de derivados de opioides;  
  • implementação de dispositivos que identifiquem a presença de fentanil e seus derivados em outras drogas ilícitas (como a cocaína);  
  • controle do uso de fentanil por pacientes hospitalizados e diminuição de prescrições das substâncias para pacientes domiciliares; 
  • e treinamento do uso de Naloxona (reversor de opioide) por todos os profissionais que atendem diretamente a população em casos de emergência e da população em geral. 

Apesar de a realidade brasileira ainda não ser uma emergência, não se pode esperar que os casos se agravem. Baseado em experiências de outros países, os órgãos competentes devem se mostrar ativos, interessados e comprometidos com o bem-estar e segurança da sociedade.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Bastos FI, Krawczyk N. Reports of rising use of fentanyl in contemporary Brazil is of concern, but a US-like crisis may still be averted. The Lancet Regional Health-Americas. 09 may 2023. 

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