Critérios anestésicos para uma lipoaspiração segura

A técnica anestésica irá depender do local que será realizada a lipoaspiração e das condições clínicas do paciente.

A lipoaspiração é uma das cirurgias plásticas mais realizadas no mundo, sendo o Brasil o segundo maior país em realização desse procedimento, perdendo apenas para os Estados Unidos. A lipoaspiração é um procedimento que pode ser realizado em diversas áreas do corpo, desde pequenos locais como a região submentoneana até grandes áreas como flancos, abdome e região da coxa.  

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O objetivo principal da lipoaspiração é melhorar o contorno corporal, e não ser utilizada como técnica para perda de peso, portanto não substitui mudanças na dieta alimentar e no estilo de vida com a prática de exercícios físicos. Suas principais indicações são lipodistrofias localizadas e abdominais. Para a sua realização, o cirurgião plástico utiliza cânulas de aspiração junto com infiltração de solução salina, que retiram o excesso de tecido gorduroso da região corporal em questão. 

Apesar de ser uma cirurgia estética, a lipoaspiração possui algumas particularidades que a tornam um procedimento passível de complicações que podem aumentar a morbimortalidade pós-operatória, principalmente em relação a infiltração, volume aspirado, técnica e condições clínicas do paciente. 

Devido a isso, é necessário que o profissional anestesista e a equipe cirúrgica fiquem atentos a certos protocolos e critérios tanto no período pré-operatório, perioperatório e pós-operatório, para minimizar a ocorrência dessas complicações e tornar o procedimento o mais seguro possível. 

lipoaspiração

Pré-operatório

O período pré-operatório é crucial para que o anestesista tenha conhecimento de todo o passado clínico, patológico, medicamentoso e anestésico do paciente para que ajustes e orientações sejam realizados e para traçar a melhor conduta anestésica para cada paciente em particular, minimizando os riscos e reduzindo a morbimortalidade intra e pós-operatória. 

Durante a anamnese da consulta pré-anestésica, o profissional anestesista deve indagar sobre a presença de patologias como asma, bronquite, hipertensão, diabetes, alergia a alguma medicação ou alimentos, problemas cardíacos ou pulmonares, função renal e sistema endócrino e neurológico. Se o paciente for tabagista, deve-se orientar que ele pare de fumar entre seis e oito semanas antes do procedimento. Caso não seja possível, que pelo menos permaneça 24 horas antes da cirurgia, sem uso de tabaco. 

Muito importante, também, reconhecer as medicações que o paciente faz uso regularmente, pois algumas precisam ser suspensas, como por exemplo: 

Inibidores de apetite: muitos pacientes submetidos à lipoaspiração fazem uso de inibidores de apetite para ajudar na redução do peso, esses medicamentos devem ser suspensos por pelo menos 14 dias antes do procedimento, pois promovem uma hiper estimulação simpática, aumentando os neurotransmissores na fenda sináptica, levando a hipertensão, taquicardia e arritmias. 

Hipoglicemiantes orais: devem ser suspensos no dia da cirurgia e substituídos pelo uso de insulina conforme esquema de glicemia, já os pacientes usuários de insulina devem ter as suas doses ajustadas de acordo com o jejum. 

Antidepressivos inibidores da MAO: devem ser suspensos 15 dias antes do procedimento, pois promovem uma resposta exagerada às medicações simpaticomiméticas. Os que não inibem a MAO podem permanecer.

Antiagregantes plaquetários: podem ser suspensos de 7 a 15 dias antes do procedimento dependendo da sua classe. Quanto ao AAS, usado de forma profilática, atualmente não há necessidade de suspensão, pois alguns estudos demonstram que a sua suspensão abrupta pode estimular eventos trombóticos, por isso não devem ser suspensos em cirurgias com baixo risco de sangramento. 

Corticoides de uso crônico: não devem ser suspensos, mas deve-se administrar hidrocortisona no pré-operatório imediato, antes da indução, para evitar o desenvolvimento da Síndrome de Addison. 

Anticoncepcional oral ou terapia de reposição hormonal: devem ser suspensos pelo período de 7 a 15 dias antes do procedimento por aumentar os riscos de trombose no pós-operatório. 

Atenção especial aos fitoterápicos: apesar de serem medicações naturais, contribuem para um aumento do sangramento, portanto, gingko biloba, ginseng, gengibre e alho devem ser suspensos até sete dias antes da cirurgia. 

Algumas medicações de uso crônico como anti-hipertensivos, broncodilatadores, estatinas, remédios para tireoide e anticonvulsivantes devem ser mantidos. 

Importante também, durante a visita pré-anestésica para lipoaspiração, enfatizar a necessidade e importância do jejum pré-operatório e indagar sobre o passado anestésico do paciente, pesquisando complicações como despertar prolongado, náuseas e vômitos, necessidade de CTI no pós-operatório, hipertermia maligna, entre outros. 

Pacientes com quadro de anemia devem ser investigados e feita reposição de ferro antes do procedimento. 

No final da consulta, o anestesista tem condições de determinar o estado físico do paciente (ASA) e prescrever uma medicação pré-anestésica caso haja necessidade.  

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Intraoperatório

A técnica anestésica irá depender do local que será realizada a lipoaspiração e das condições clínicas do paciente. Apesar de ser um procedimento exclusivamente eletivo, alguns pacientes apresentam condições clínicas que não são suficientes para suspender ou contraindicar o procedimento, porém necessitam de uma técnica específica. A lipoaspiração pode ser realizada desde uma anestesia local com sedação até anestesia geral com intubação traqueal.

A anestesia local com sedação é mais utilizada em áreas menores ou retoques, com até 200 a 500 ml de volume aspirado, e é muito bem aceita pelo paciente. Já a anestesia geral com intubação traqueal, está voltada a procedimentos mais demorados com outras cirurgias plásticas simultâneas ou com áreas maiores. Apesar de atualmente, estar cada vez menos comum a realização de procedimentos conjugados. 

A técnica cirúrgica normalmente utilizada é a super húmida, que apresenta os menores índices de sangramento (1-2%) e uma maior segurança. Por definição, essa técnica utiliza uma infiltração de 1 a 2 ml de soro fisiológico para cada 1ml de volume aspirado, com uma ampola de adrenalina para cada 500 ml de soro (respeitando a dose máxima).

Caso sejam administradas lidocaína e adrenalina na solução de infiltração, deve-se sempre ter em mente os efeitos fisiológicos de ambas as medicações, sendo que a lidocaína pode ter sua excreção diminuída em casos de hepatopatia, hipoproteinemias e com o uso de algumas medicações como cimetidina e propranolol.  

Além disso, a lidocaína possui dose tóxica não devendo ultrapassar o volume de 0,07mg/Kg para anestesias sem uso de halogenados e de 0,05mg/Kg para anestesias com uso de halogenados. Atualmente, com o avanço de medicações analgésicas eficazes, não há necessidade do uso de lidocaína em casos de bloqueio ou anestesia geral. 

Outro fator importante no período intraoperatório é o posicionamento do paciente, sendo que em muitas situações é necessário a mudança de decúbito durante o procedimento. Durante essa mudança, e principalmente sob bloqueio espinhal, ocorre alterações fisiológicas relacionadas ao volume intravascular, alterando a pressão no sistema e podendo causar hipotensão severa e aguda. O paciente deve ser movimentado de forma firme, lenta e em etapas.  

Em algumas situações, onde o anestesista achar que possa haver alguma instabilidade hemodinâmica durante a mudança de decúbito, pode-se administrar pequenas doses de efedrina, evitando assim, uma queda abrupta da pressão arterial. 

Em relação ao volume total aspirado, estabeleceu-se que o volume máximo a ser aspirado deva ser de 5 a 7% do peso corporal ou 40% da área corporal, a fim de evitar complicações como hipotensão severa e choque hipovolêmico. 

Pós-operatório

No período pós-operatório é essencial levar em consideração três grandes aspectos: reposição hidroeletrolítica, reposição de sangue e hemoderivados e prevenção de trombose. 

Reposição hidroeletrolítica: Usualmente é realizada com ingesta oral e hidratação venosa, mantendo um débito urinário em torno de 1ml/Kg/hora ou um volume residual em torno de 90-140ml/Kg. Pacientes que tiveram um aspirado de 1:1, preconiza-se uma hidratação de 1ml/Kg/h para o período de jejum. Para pacientes com volumes aspirados maiores do que essa relação, soma-se o volume excedido aspirado, na hidratação pós-operatória com soro fisiológico ou ringer lactato. 

Sangue e hemoderivados: a reposição deve ser realizada com muita parcimônia, uma vez que transfusão de sangue e hemoderivados podem ser vias de transmissão de doenças. Portanto, uma manutenção de volemia intra e pós-operatória, com cuidado no volume aspirado é fundamental para evitar transfusões desnecessárias. Lembrar sempre que são procedimentos eletivos e a grande maioria dos pacientes são jovens e saudáveis, portanto, nesses casos, um aumento do volume sistólico com taquicardia, é suficiente para manter um equilíbrio hemodinâmico.

Em casos de grandes volumes aspirados ou instabilidade, o paciente deve ser monitorado em relação à pressão arterial, à frequência cardíaca, à frequência respiratória e aos exames laboratoriais. Pela American Society of Anesthesiologists (ASA), existe um protocolo para transfusão de sangue que deve ser seguido: 

  • Hemoglobina menor que 6 g/dl em caso de anemia aguda mesmo em paciente jovem, realizar transfusão; 
  • Hemoglobina maior que 10 g/dl não há necessidade de transfusão; 
  • Hemoglobina entre 6 e 10 g/dl, avaliar risco benefício e presença de fatores complicadores como sangramento em potencial ou ativo ou isquemia de algum órgão. 

Outras opções para a transfusão de sangue que podemos citar é a transfusão autóloga realizada alguns dias antes do procedimento e a hemodiluição normovolêmica intraoperatória, principalmente em procedimentos de médio e grande porte ou cirurgias simultâneas. 

Transfusões de sangue de rotina devem ser desestimuladas, ficando separadas apenas para casos específicos e necessários onde há instabilidade hemodinâmica e incapacidade de o paciente fazer uma autorregulação. 

Alertar a equipe para observação de sinais de hipovolemia e choque agudo no pós-operatório, como palidez e pele úmida, pulso rápido e fraco, hipotensão, sede, alterações visuais, alteração neurológica e cognitiva. 

Prevenção de trombose

Todos os pacientes que serão submetidos a procedimentos de lipoaspiração, mesmo pacientes jovens, hígidos e sem história familiar ou pregressa de trombose, assim como pacientes obesos, diabéticos, tabagistas e usuários de anticoncepcionais ou terapia de reposição hormonal, devem realizar o seguinte protocolo: 

  • Heparina não fracionada na dose de 5000 U por via subcutânea 6 horas após o início do procedimento com manutenção a cada 6 ou 12 horas até o paciente poder deambular ou; 
  • Heparina de baixo peso molecular (enoxaparina sódica) na dose de 40 mg 6 horas após o bloqueio espinhal ou 8 horas após retirada do cateter de peridural em dose única ou imediatamente após o fim do procedimento em casos de anestesia geral; 
  • Botas de compressão pneumática externa intermitente, instaladas logo após a indução anestésica e retiradas após o início da deambulação. Junto com o uso de heparina aumentam mais ainda a chance de não desenvolver trombose; 
  • Meias elásticas; 
  • Deambulação precoce; 
  • Filtros de veia cava inferior temporários podem ser utilizados em pacientes de alto risco como história prévia de fenômenos tromboembólicos, doença inflamatória intestinal, obesidade mórbida e pacientes portadores de trombofilias adquiridas ou hereditárias. 

Pacientes que apresentarem no pós-operatório sinais e sintomas de trombose como empastamento de panturrilha, tosse e dor torácica de início agudo e hemoptise, devem ser submetidos a ecodoppler dos membros inferiores, análise do dímero-D e angiotomografia pulmonar. 

Uma outra complicação rara, porém com grande potencial fatal, é a embolia gordurosa fulminante ou subaguda. Nos casos fulminantes, os pacientes vão a óbito em 100% dos casos, sendo o tratamento inespecífico apenas com suporte ventilatório. A prevenção ainda é a melhor terapia, evitando hipóxia e choque. 

O risco de trombose está diretamente relacionado ao tempo cirúrgico e porte cirúrgico e tipo de cirurgia, sendo mais comum em cirurgias ginecológicas e ortopédicas, portanto cirurgias concomitantes têm sido bastante desencorajadas na atualidade. 

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O paciente pode receber alta no mesmo dia se apresentar condições clínicas satisfatórias como deambulação efetiva, diurese espontânea e sem dificuldade, movimentação ativa de todos os membros, sinais vitais satisfatórios e presença de acompanhante, além de ter sido observado por 8 horas após o procedimento e tiver tido um volume aspirado de até 5% e sem uso de lidocaína. 

Apesar da lipoaspiração ser uma das cirurgias plásticas mais realizadas no mundo e ser um procedimento estético eletivo, ela não está isenta de complicações graves e potencialmente fatais, portanto seguir protocolos de segurança desde o período pré-operatório é fundamental para que o procedimento seja realizado com sucesso. 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Fernandes JW, et al. Critérios Práticos para uma lipoaspiração mais segura: Uma visão multidisciplinar. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica. Voluma 32. Issue 3. 2017.