Injeção intratecal inadvertida: o que devo saber?

A injeção intratecal de vincristina tem sido relatada há mais de 45 anos, sendo o primeiro caso ocorrido nos EUA em 1968.

A injeção intratecal inadvertida é a injeção no espaço subaracnóideo de qualquer droga não destinada ao bloqueio raquidiano, diferente da perfuração inadvertida da dura-máter, durante uma punção peridural, onde ocorre uma injeção inadvertida de alto volume de anestésico local.

Leia mais: Mortalidade com uso de propofol no perioperatório e em pacientes críticos

Qualquer injeção intratecal de alguma droga de forma inadvertida é considerada um erro técnico e deve ser rigorosamente evitado. Quando um procedimento é realizado por mãos humanas, sempre haverá possibilidades de erros, por isso deve-se ter atenção redobrada quando o profissional anestesista está realizando qualquer técnica passível de trocas ou uso de medicações diversas.  

Epidemiologicamente falando, é rara a incidência de trocas de medicações, porém existem, e, dependendo de cada caso e da substância inoculada, o paciente pode permanecer assintomático, como pode desenvolver sintomas graves, podendo evoluir para o óbito. 

Toda injeção inadvertida, é considerada um quadro emergencial, e seu diagnóstico e tratamento devem ser realizados de forma rápida. Suporte hemodinâmico e ventilatório, assim como a lavagem do líquido cefalorraquidiano são os tratamentos de primeira linha. 

Algumas complicações podem ser relatadas após uma injeção inadvertida como por exemplo, a aracnoidite adesiva, meningite, encefalite, depressão respiratória, convulsões, paraplegias, coma e morte. 

As trocas de medicações por via subaracnóidea podem ocorrer durante um procedimento anestésico ou em casos de pacientes internados com prescrições venosas e intratecais simultâneas. Em ambos os casos, as trocas acontecem por falta de atenção e podem ser facilmente evitadas. Casos relativamente comuns em pacientes internados é a injeção de vincristina intratecal, ao invés de endovenosos, em pacientes internados para tratamento de linfomas de Hodgkin ou leucemia, tratados com vincristina endovenosa juntamente com metotrexato, citarabina e/ou glicocorticoides por via intratecal.  

Normalmente, a troca ocorre por falta de atenção, quando esses medicamentos são prescritos para serem administrados no mesmo horário. A injeção intratecal de vincristina tem sido relatada há mais de 45 anos, sendo o primeiro caso ocorrido nos EUA em 1968. Desde essa época, já foram descritos cerca de 120 casos, contudo estima-se que mais casos tenham ocorrido, porém não relatados devido ao receio de punições.  

Em procedimentos anestésicos, as injeções inadvertidas podem ocorrer com substâncias cáusticas como o álcool utilizado para assepsia ou com drogas que apresentam o mesmo tipo de ampola e rótulo e que não foram duplamente checadas. O ácido tranexâmico é uma droga que protagoniza as injeções inadvertidas durante bloqueios raquidianos. Como exemplo, podemos citar o caso ocorrido em um paciente egípcio, com a injeção de 400 mg de ácido tranexâmico, inadvertidamente no espaço subaracnóideo em uma cirurgia ortopédica (fratura de fêmur).  

O paciente evoluiu com intensa dor em região glútea e lombar imediatamente após o bloqueio, com mioclonia, agitação e convulsão generalizada. Nesse caso, o diagnóstico foi realizado de forma imediata e o tratamento foi rapidamente estabelecido com administração de fenitoína, tiopental e atracúrio e intubação orotraqueal.

Foi realizada lavagem do líquor (LCR) com a punção dupla, uma à nível L2-L3 e outra a nível L4-L5 com agulha de Quincke 22G, com infusão contínua e passiva de 150 ml de solução salina. Paciente foi encaminhado a UTI, sendo realizado todos os procedimentos para proteção cerebral e neurológica, tendo alta uma semana após sem sequelas neurológicas pelo período de follow up de um ano. 

A lavagem do LCR imediata e contínua, assim como o controle hemodinâmico e ventilatório do paciente, a proteção cerebral e o encaminhamento à unidade de terapia intensiva, são as condutas principais que podem diminuir as sequelas e salvar a vida desses pacientes. 

A lavagem é um procedimento relativamente simples e com poucos riscos, se realizada de forma correta utilizando toda assepsia e antissepsia necessária. Basicamente, realiza-se uma punção dural, com retirada de 10 a 20ml de LCR e reposição com solução salina a 0,9%, sendo que não existe um consenso do volume máximo que se pode ser seguramente substituído, podendo variar entre 40 a 75mL.  De qualquer forma, a lavagem deve ser feita imediatamente à injeção inadvertida. 

As maiores causas estão associadas a erros na rotulação de seringas, ao formato, coloração e semelhança dos rótulos e frascos de medicamentos, ao armazenamento em local errado, a falta de dupla checagem antes da aspiração e injeção, a falta de atenção e o cansaço e exaustão do profissional. 

Veja também: Hipnose como coadjuvante para a anestesia?

De qualquer forma, são todos fatores que podem ser facilmente evitados, seguindo algumas condutas de segurança, como por exemplo colocar na bandeja de bloqueio apenas as medicações necessárias, colocar a cuba com álcool fora da bandeja ou com uma gaze para diferenciação, checagem dupla da ampola, antes e durante a aspiração, aspiração somente da quantidade a ser administrada e atenção nas alterações físicas de cor, densidade e cheiro da medicação.  

A injeção inadvertida intratecal é rara, porém existe e é considerada um erro técnico, sendo facilmente evitado, portanto grande atenção deve ser dada ao momento da seleção e separação de medicamentos que serão utilizados durante o procedimento. 

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.
Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Gilbar P, Chambers CR, Larizza M. Medication safety and the administration of intravenous vincristine: international survey of oncology pharmacists. J Oncol Pharm Pract. 2014 jan 
  • Harby, S.A., Kohaf, N.A. Accidental intrathecal injection of tranexamic acid: a case report. J Med Case Reports17, 55 (2023) 
  • Liu H, Tariq R, Liu GL, Yan H, Kaye AD. Inadvertent intrathecal injections and best practice management. Acta Anaesthesiol Scand. 2017 Jan;61(1):11-22.