Insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada: como diagnosticar

A insuficiência cardíaca é importante causa de morbimortalidade no mundo e a incidência de IC com fração de ejeção preservada segue em aumento, apesar de subdiagnosticada.

Nos últimos anos tem surgido novas informações em relação a sua fisiopatologia, métodos diagnósticos e tratamento. Recentemente, o American College of Cardiology publicou uma atualização com objetivo de facilitar o diagnóstico e manejo de pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEP). Abaixo seguem os principais pontos apresentados neste novo consenso, principalmente em relação aos desafios diagnósticos.

Veja também: Como tratar insuficiência cardíaca com fração de ejeção levemente reduzida? [vídeo]

Insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada como diagnosticar

Definições

A definição de IC consiste na presença de sinais ou sintomas de IC causados por alteração cardíaca estrutural ou funcional e pelo menos um dos seguintes: aumento de peptídeos natriuréticos ou evidência objetiva de congestão pulmonar ou sistêmica.

A fração de ejeção (FE) é considerada normal quando ≥ 50%, reduzida quando ≤ 40% e levemente reduzida quando entre 40 e 50%. Pacientes dessa última categoria são bastante heterogêneos e podem ser os que tinham IC com FE reduzida (ICFER) e estão em melhora ou que tinham ICFEP e estão em piora.

Definição de ICFEP: diagnóstico clínico de IC e FE ≥ 50%, na ausência de alterações como cardiomiopatias infiltrativas, cardiomiopatia hipertrófica, doenças valvar ou pericárdica ou IC de alto débito.

Apesar de os critérios diagnósticos serem bastante claros, muitas vezes são um desafio no paciente com ICFEP, pois não há nenhum exame isolado que confirme o diagnóstico. Além disso, devem sempre ser consideradas e excluídas as situações que mimetizam o quadro, como doenças renais ou hepáticas ou as de causa cardíaca citadas acima.

O consenso também cita quais são as funções dos médicos generalistas, cardiologistas e especialistas em IC:

  • Médicos generalistas devem reconhecer os quadros de insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEP), realizar exames iniciais necessários, começar o tratamento e identificar quando encaminhar para o cardiologista.
  • O cardiologista deve confirmar o diagnóstico e excluir diagnósticos alternativos, otimizar o tratamento, incluir pacientes em estudos e identificar quando encaminhar para o especialista em IC.
  • O especialista em IC deve seguir a investigação de forma mais detalhada quando ainda há dúvida diagnóstica, manejar cardiomiopatias específicas, incluir pacientes em estudos e identificar quando há necessidade de terapias mais avançadas (inclusive transplante) ou indicação de cuidados paliativos.

Saiba mais: Anti-inflamatórios aumentam a chance de insuficiência cardíaca?

Critérios diagnósticos

O critério de Framingham geralmente não é mais utilizado, porém pode ser útil para os médicos pois engloba as principais alterações encontradas na IC. O diagnóstico é feito quando há 2 critérios maiores ou 1 maior e 2 menores.

  • Critérios maiores: ortopneia, estase jugular, refluxo hepatojugular, estertores na ausculta pulmonar, presença de B3, congestão pulmonar e cardiomegalia na radiografia.
  • Critérios menores: dispneia aos esforços, tosse noturna, edema de membros inferiores, taquicardia com frequência cardíaca maior que 120 bpm, hepatomegalia e derrame pleural.

Se a dispneia e/ou edema parecem de origem cardíaca, o próximo passo é a solicitação de um ecocardiograma, para avaliar alterações estruturais ou funcionais, e de exames de sangue, com dosagem de peptídeos natriuréticos (BNP e NT-proBNP).

Uma das dificuldades no diagnóstico é que o ecocardiograma pode não mostrar alterações tão óbvias e o BNP e NT-proBNP podem ser normais, principalmente em pacientes obesos. Nessas situações existem alguns escores que podem auxiliar. Os escores H2FPEF e HFA-PEFF avaliam a probabilidade de ICFEP como etiologia dos sintomas em pacientes com dispneia.

O escore H2FPEF consiste dos critérios abaixo e quando maior ou igual a 6 a probabilidade de IC é alta.

  • Heavy (IMC > 30 kg/m2) – 2 pontos
  • Hipertensão (uso de 2 ou mais anti-hipertensivos) – 1 ponto
  • Fibrilação atrial (FA) – 3 pontos
  • Pulmonary hypertension (hipertensão pulmonar (PSAP > 35 mmHg) – 1 ponto
  • Elderly (idade maior que 60 anos) – 1 ponto
  • Filling pressure (pressão de enchimento aumentada – E/e’ > 9 no ecocardiograma) – 1 ponto

Já o escore HFA-PEFF envolve 4 passos: avaliação pré-teste da probabilidade de IC baseada em sintomas clínicos e exames complementares, avaliação dos parâmetros do ecocardiograma e níveis de peptídeos natriuréticos, avaliação funcional em casos de dúvida e definição da etiologia final para excluir outras causas de dispneia se necessário.

Ponto importante é que esse escore inclui peptídeos natriuréticos, que algumas vezes tem valores normais mesmo na presença de congestão importante. Outro ponto de atenção é que para avaliação funcional são indicados exames não tão disponíveis, como exames que avaliam a diástole no estresse ou de avaliação hemodinâmica invasiva.

Comum entre os dois é a relevância da presença de fatores de risco e do contexto clínico dos pacientes para considerar a possibilidade diagnóstica de IC. Quando os escores são baixos não devem ser utilizados para excluir IC. Nesta situação, quando a probabilidade pré-teste sugere IC, esta deve continuar sendo investigada.

Tratamento

O consenso cita ainda os princípios do tratamento, que teve grande avanço nos últimos anos e é baseado em 3 pontos principais:

  • Estratificação de risco e manejo de comorbidades como hipertensão, diabetes, obesidade, FA, doença coronária, doença renal e apneia do sono.
  • Manejo não farmacológico: instituição de atividade física e perda de peso e em alguns casos dispositivos de monitoramento da artéria pulmonar para detectar sinais de congestão.
  • Medicações que melhoram sintomas e modificam prognóstico.

Nos últimos anos, alguns estudos mostraram benefício com uso de medicações específicas e estas devem ser iniciadas tanto no contexto de IC aguda quanto IC crônica, com objetivo de diminuir mortalidade e internações por IC.

Os diuréticos não têm efeito em mortalidade, porém reduzem sintomas de forma importante. Os betabloqueadores, indicados fortemente para ICFER, aqui devem ser utilizados em situações específicas, como ocorrência de infarto, angina ou FA.

Inibidores do SGLT2 (dapagliflozina, empagliflozina, sotagliflozina) tem grande benefício e são indicados para todos os pacientes, independente de diabetes, com objetivo de reduzir mortalidade e internações. Podem ser iniciados na internação, antes da alta, ou ambulatorialmente.

Antagonistas mineralocorticoides melhoram a função diastólica e diminuem internações. Subanálise do estudo TOPCAT mostrou redução de mortalidade no grupo de pacientes da América do Norte, sendo o benefício maior nos pacientes com peptídeos natriuréticos mais baixos, FE < 60% e nas mulheres. Além disso, a medicação pode ajudar no controle da congestão e da hipertensão.

Inibidores da neprilisina (sacubitril-valsartana) podem ser utilizados e têm benefícios em relação a bloqueadores do receptor de angiotensina (BRA), principalmente em alguns subgrupos, como os de FE mais baixas e mulheres. Nas situações em que há contraindicações utiliza-se os BRA, que levam a redução de internações e tendência de redução de mortalidade. Essas medicações devem ser utilizadas na maior dose tolerada.

Comentários e conclusão

Nos últimos anos houve grande avanço no tratamento da insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEP), principalmente em relação ao diagnóstico e tratamento medicamentoso, com possibilidade de uso de novas drogas. É uma condição muitas vezes de difícil diagnóstico, porém não deve ser negligenciada, já que muitas vezes seu prognóstico é semelhante ao da ICFER.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.
Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Kittleson MM, et al. 2023 ACC Expert Consensus Decision Pathway on Management of Heart Failure With Preserved Ejection Fraction: A Report of the American College of Cardiology Solution Set Oversight Committee. Journal of the American College of Cardiology. 2023 Maio;81(18):1835-1878. DOI: 10.1016/j.jacc.2023.03.393

Especialidades