Manejo de sangramento em pacientes que utilizam anticoagulantes orais diretos

Frente a um paciente com sangramento ativo secundário ao uso de DOAC, devemos solicitar alguns exames laboratoriais para melhor avaliação.

Os anticoagulantes orais diretos (DOACs), também conhecidos como novos anticoagulantes orais não-vitamina K dependentes (NOACs), vêm ganhando espaço no manejo de pacientes com diagnóstico de episódios tromboembólicos de origem venosa (TEV) ou arterial e naqueles com indicação de profilaxia para tais eventos.

Leia também: Principais orientações na prescrição de anticoagulantes

Diversos estudos envolvendo a rivaroxabana, apixabana e dabigatrana vem sendo publicados ao longo dos anos evidenciando não-inferioridade em eficácia e segurança, quando comparados aos antagonistas de vitamina K (Varfarina), no tratamento de pacientes com TEV e fibrilação atrial não-valvar. Pela posologia mais cômoda e menor necessidade de exames laboratoriais para controle de níveis terapêuticos, essa classe de drogas se tornou a primeira escolha de muitos médicos assistentes salvo se contraindicações claras.  

No entanto, um grande desafio permanece: como lidar com sangramentos associados ao uso dessas medicações? Apesar das limitações técnico-científicas, mais evidentes em países em desenvolvimento, e da ausência de um corpo de evidências robusto, iremos abordar um pouco do assunto neste artigo.  

Graduando o sangramento 

A graduação de sangramento mais utilizada segue três categorias: sangramentos maiores, sangramentos clinicamente relevantes e sangramentos menores.  

  • Sangramentos clinicamente relevantes: são em geral sangramentos de extensão e volume moderados que requerem internação hospitalar e/ou conduta imediata por parte do médico assistente, porém sem repercussão hemodinâmica ou sangramento em áreas ou órgãos críticos. Não requer transfusão e não está associada a anemias significativas. Sangramentos de trato gastrointestinal são o maior exemplo. Essa é a graduação a partir da qual devemos tomar uma ação. O DOAC deve ser interrompido.  
  • Sangramento maior (critérios da ISTH): sangramentos fatais; ou que ocorrem em áreas/órgãos críticos como intracraniano, intraperitoneal, ocular, pericárdico, intramuscular; ou associados a queda de 2g/dL nos níveis séricos de hemoglobina e que motivem transfusão de 02 ou mais concentrados de hemácias. O DOAC deve ser interrompido. Idealmente, iniciar agente de reversão.  
  • Sangramento menor: medidas de contenção local do sangramento. Não implicam em suspensão do DOAC.  

Medidas gerais iniciais 

Frente a um paciente com sangramento ativo secundário ao uso de DOAC, devemos solicitar alguns exames laboratoriais para avaliar o risco de extensão e piora do sangramento a depender das comorbidades: função renal, função hepática, hemograma, Coagulograma II (INR, TP e TTPa), cálcio iônico, fibrinogênio.

Quando disponível, devemos solicitar a medida dos níveis séricos do DOAC e da atividade específica do FXa, uma vez que este é pouco representado pelo coagulograma. Para avaliação do dabigatran, o tempo de trombina diluída (TTd) traz informações valiosas. Quando este está normal ou mensurável, indica a presença de baixa quantidade da droga no sangue. Em alguns hospitais existem coagulogramas ajustados para DOACs. 

Como os DOACs possuem uma meia-vida breve (5 – 17h), devemos observar sempre o tempo decorrido da última ingesta. Nos casos em que a última ingesta foi superior à meia-vida, o mais adequado pode ser apenas observação clínica e medidas de suporte. Caso a ingesta tenha sido há menos de duas horas, o uso de lavagem gástrica, carvão ativado ou hemodiálise (esta mais eficaz para o dabigatran) pode ser tentado.  

Nos casos indicados, lançar mão de Concentrado de Complexo Protrombínico 50IU/kg na ausência de agentes de reversão (conduta off-label). O ácido tranexâmico também pode ser tentado nos sangramentos graves. Medidas locais de contenção devem ser instauradas. 

Definindo a classe terapêutica 

O primeiro passo é definir a classe terapêutica à qual pertence o medicamento utilizado. Os inibidores do fator X ativado (FXa) são: rivaroxabana, apixabana, edoxabana e betrixabana. Para os dois primeiros compostos ativos, temos aprovado pelo FDA e pelo EMA o antídoto adexanet alfa com base nos estudos pivotais ANNEXA-A e ANNEXA-R. Para os outros compostos de mesma classe não possuímos um agente para reversão de sangramento específico. A administração é por via endovenosa e as doses variam conforme as tabelas abaixo, que leva em consideração a posologia do DOAC e o tempo transcorrido desde a última ingesta. 

Tabela 1: Posologia de adexanet alfa com base na dose e última ingesta do DOAC. 

Droga  Última dose  Ingesta < 8h ou desconhecida  Ingesta ≥ 8 horas. 
Apixabana  ≤ 5mg  Baixa dose  Baixa dose 
Apixabana  > 5mg/desconhecido  Alta dose  Baixa dose 
Rivaroxabana  ≤ 10mg  Baixa dose  Baixa dose 
Rivaroxabana  > 10mg/desconhecido  Alta dose  Baixa dose 

 Tabela 2: Determinação de dose do adexanet alfa. 

Categorização  Dose venosa inicial (bolus)  Dose intravenosa contínua  Nº de frascos de 200mg  
Baixa dose  400mg (correr a 30mg/min)  4mg/min por 120 minutos  5 
Alta dose  800mg (correr a 30mg/min)  8mg/min por 120 minutos  9 

Veja também: Anticoagulação na fibrilação atrial e doença renal crônica

O etexilato de dabigatrana corresponde a um inibidor do fator II ativado (FIIa) e possui o anticorpo monoclonal idarucizumab como antídoto aprovado pelo FDA e pelo EMA com base no estudo de fase III RE-VERSE AD. A posologia é de 2 administrações de 2,5g em bolus (50mL) separadas em 15 minutos (total: 5g). Uma nova dose pode ser necessária após 12 a 24 horas.  

Ambos os antídotos mencionados acima não necessitam de ajuste pela idade, função hepática ou renal. Contraindicação ao uso do adexanet alfa é a hipersensibilidade aos ingredientes da fórmula e alergia conhecida a proteína de hamster (conforme descrito em bula).  

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • White, Katie et al. “New agents for DOAC reversal: a practical management review.” The British journal of cardiology vol. 29,1 1. 12 Jan. 2022, DOI:10.5837/bjc.2022.001 

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