Ressonância de estresse para estratificação de risco em pacientes com doença coronária

Estudo avaliou a associação de isquemia miocárdica e infarto prévio desconhecido, evidenciados pelas ressonância magnética cardíaca (RMC).

A estratificação de risco dos pacientes com doença coronária aterosclerótica (DAC) estabelecida é um desafio e a seleção adequada desses pacientes para realização de coronariografia é ainda mais difícil, sendo que na prática, mais da metade dos pacientes que realizam o exame invasivo não tem DAC obstrutiva. A ressonância magnética cardíaca (RMC) é padrão ouro para avaliar volume e função ventriculares, além de obter imagens que avaliam presença de cicatriz de infarto (IAM) prévio e ter excelente sensibilidade e especificidade para detecção de isquemia miocárdica. Apesar disso, ainda não há estudos multicêntricos que avaliaram a capacidade da RMC em auxiliar na estratificação de risco de pacientes com DAC estabelecida.

Foi feito então um estudo com objetivo de avaliar a associação de isquemia miocárdica e infarto prévio desconhecido, evidenciados pelas RMC, com ocorrência de infarto não fatal, mortalidade cardiovascular e eventos cardiovasculares maiores. 

Leia também: Ressonância cardíaca em pacientes recuperados da Covid-19

Ressonância de estresse para estratificação de risco em pacientes com doença coronária

Características do estudo e população envolvida

O estudo foi multicêntrico, retrospectivo e os critérios de inclusão eram: idade entre 35 e 85 anos; avaliação por dor torácica, dispneia, eletrocardiograma (ECG) alterado ou outra apresentação clinica que levou a suspeita de isquemia miocárdica pelo médico assistente; presença de DAC documentada (história de IAM prévio, angioplastia prévia ou DAC vista em angiografia); presença de pelo menos dois dos seguintes fatores de risco: homens com mais de 50 anos ou mulheres com mais de 60, diabetes, hipertensão, hiperlipidemia, história familiar de DAC precoce, IMC maior ou igual a 30 ou doença arterial periférica documentada. 

Os critérios de exclusão eram: cirurgia cardíaca nos últimos 30 dias, doença valvar importante, fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) menor que 40% de causa não isquêmica, miocardiopatia hipertrófica ou doença infiltrativa, pericardite constritiva, gravidez, expectativa de vida menor que 2 anos ou impossibilidade de seguimento.

Infarto desconhecido foi definido como ausência de história de IAM ou de diagnóstico médico de IAM na presença de realce tardio envolvendo o subendocárdio em um ou mais seguimentos em região correspondente a distribuição de uma artéria coronária, o que configura padrão de IAM. Também foi avaliada a capacidade da RMC em reclassificar o risco do paciente, classificado inicialmente por modelos clínicos e função ventricular. 

O desfecho primário foi morte cardiovascular ou IAM não fatal e o desfecho secundário foi composto por eventos cardiovasculares maiores, incluindo morte cardiovascular, IAM não fatal, internação por insuficiência cardíaca ou angina instável e revascularização miocárdica não planejada em mais de 6 meses do exame. 

Resultados

O número de pacientes avaliados foi 755, com idade média de 64 anos e 64% do sexo masculino. 48% tinham história de IAM e 71% tinham angioplastia prévia. A apresentação clínica foi dor torácica em 61% dos pacientes, mais de 80% usavam aspirina e estatina e mais de 70% usavam betabloqueadores (BB). A FEVE média foi de 62% e 46% tinham presença de realce tardio, sendo que em 35% correspondia a padrão de IAM. 

Isquemia foi vista na RMC de estresse em 28%, ou seja, 212 pacientes. Comparado ao grupo sem isquemia, esses pacientes eram mais jovens, tinham maior prevalência de diabetes, história de IAM e uso de aspirina, BB e IECA/BRA. Além disso, tinham menor FEVE, maior volume sistólico final do VE (VSFVE) e maior prevalência do achado de realce tardio e infarto desconhecido.

Em relação aos desfechos, no período de seguimento médio de 5,3 anos houve 13% de IAM não fatal e morte cardiovascular e 28% de eventos cardiovasculares maiores.

Presença de isquemia, cicatriz miocárdica e VSFVE > 45 ml/m2 foram associados com maior taxa anual de IAM não fatal e morte cardiovascular, com p < 0,001. A ausência desses achados ocorreu em 43% dos pacientes e foi associada a baixa taxa anual do desfecho primário (1,3%).

Isquemia foi fortemente associada ao desfecho primário (HR 2,3; IC95% 1,54-3,44, p < 0,001) e secundário (HR 2,24; IC95% 1,69-2,95, p < 0,001) e as taxas anuais de IAM e mortalidade nos grupos sem isquemia e com isquemia foram respectivamente 1,8% e 4,2%, com p < 0,001. Na avaliação isolada de mortalidade, não houve diferença entre os grupos (0,8% x 1,3%, p=1,114) e as taxas de ocorrência do desfecho secundário foram de 4,4% e 10,1% ao ano (p < 0,001) respectivamente.

A presença de IAM desconhecido também foi associada a ocorrência de mais eventos, tanto no desfecho primário (HR 3,23; IC95% 1,63-6,45, p < 0,001), quanto secundário (HR 2,51; IC95% 1,67-3,77, p < 0,001).

O estudo também fez uma avaliação da capacidade discriminatória e de reclassificação de risco dos pacientes a partir de modelos preditivos de risco aplicados antes e após a RMC. Adicionando-se a RMC, os modelos de predição de risco tiveram melhora de sua capacidade discriminatória e após sua utilização a avaliação de isquemia permitiu reclassificar 43% dos pacientes da coorte. A maior parte das mudanças foi em pacientes com probabilidade pré teste de risco intermediário, sendo que neste grupo houve mudança de classe de risco em 95% dos pacientes: 62% reclassificados como baixo risco e 33% como alto risco (com mudança na ocorrência da taxa de eventos para 1,4% e 5,3% ao ano respectivamente).

A presença e a extensão da isquemia foram associadas a maior probabilidade de realização de exame invasivo (coronariografia) e revascularização, como já esperado, e entre os pacientes com isquemia moderada e grave que foram submetidos a coronariografia, 79% e 71% foram revascularizados respectivamente.

Conclusão

Neste estudo, pacientes com suspeita de isquemia miocárdica que realizaram RMC e tiveram resultado com isquemia ou infarto desconhecido tiveram maior ocorrência de IAM não fatal e mortalidade cardiovascular e eventos cardiovasculares maiores. Já a ausência de isquemia foi associada a baixa taxa anual de eventos (<2% ao ano). O exame permitiu ainda reclassificar o paciente em relação ao risco, inicialmente avaliado com base em fatores de risco e fração de ejeção, e essa reclassificação foi mais importante para pacientes de risco inicial intermediário (taxa de eventos de 2-3% ao ano).

Saiba mais: Gravidez e falso positivos para espondiloartrite axial na ressonância magnética de sacroilíacas

Esse estudo mostra que a RMC pode ter grande valor no auxílio da estratificação de risco de forma não invasiva e tomada de decisão neste grupo de paciente, principalmente pela ajuda em identificar pacientes que não necessitariam de avaliação invasiva e poderiam ser manejados com otimização de medicação. 

A realização da RMC de rotina para pacientes com DAC estabelecida ainda não está indicada e estudos prospectivos são necessários para confirmar esses achados e fornecer mais dados, por exemplo, em relação a extensão da isquemia e existência de subgrupos de pacientes que teriam benefício maior da estratégia invasiva. Porém, pode ser que num futuro próximo, a RMC esteja presente em algoritmos de avaliação de risco de pacientes com DAC.

Referencias bibliográficas:

  • Antiochos P, et al. Prognostic Value of Stress Cardiac Magnetic Resonance in Patients With Known Coronary Artery Disease. J Am Coll Cardiol Img. doi: 10.1016/j.jcmg.2021.06.025.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.

Especialidades