Diabetes – Baseado em evidências: diferenciando os tipos de diabetes

A ADA, principal sociedade mundial de diabetes, classifica os subtipos da doença em 4 grupos. Confira quais, neste novo conteúdo da série!

Neste texto da série Diabetes – Baseado em evidências, falaremos sobre os diferentes tipos da doença. Com o aumento da prevalência dos casos de diabetes associado à obesidade e à síndrome metabólica, é cada vez mais frequente nos depararmos com indivíduos jovens e com alterações glicêmicas importantes. Além disso, o avanço no estudo do diabetes e dos métodos diagnósticos trouxe à tona mais elementos para nosso raciocínio, de forma que hoje a classificação não se limita a dizer se um indivíduo tem diabetes tipo 1 ou tipo 2, mas sim uma gama de opções. 

Saiba mais: Diabetes – Baseado em evidências: avaliação inicial

A distinção entre os subtipos de diabetes pode ser de suma importância – decisões como início ou não de insulinoterapia, foco na perda de peso, tempo para início de rastreio de complicações ou mesmo a própria decisão da necessidade ou não de se propor algum tratamento. O Maturity Onset Diabetes of the Young – MODY GCK (MODY tipo 2) – por exemplo, não requer tratamento específico uma vez que não está associado a complicações crônicas. 

Classificação do diabetes da American Diabetes Association (ADA) 

A ADA, principal sociedade de estudo de diabetes do mundo, classifica os subtipos de diabetes inicialmente em 4 grandes grupos: 

 DM1 

O DM1 é definido pela destruição autoimune das células beta-pancreáticas, levando a um estado de deficiência insulínica absoluta. Este subtipo engloba o “LADA” (Latent Autoimune Diabetes of Adulthood), onde a fisiopatologia é a mesma, havendo, no entanto, um período longo entre o diagnóstico e a necessidade de início de tratamento com insulinoterapia. Corresponde a 5-10% de todas as causas de DM. Os principais autoanticorpos que devem ser dosados na suspeita clínica são o Anti GAD65 e o anti IA-2, dentre outros menos importantes.  

DM2 

O conceito que deve vir imediatamente na cabeça quando falamos em DM2 é resistência insulínica, uma vez que o DM2 é definido pela perda progressiva de secreção de insulina pelas células beta-pancreáticas, não imunomediada, no contexto de resistência insulínica e síndrome metabólica. 

Causas especiais de DM  

Este grande grupo heterogêneo envolve diversas outras causas, podendo se destacar os seguintes subgrupos: 

  1. Causas monogênicas (MODY e DM neonatal)
  2. Doenças do pâncreas exócrino (pancreatite crônica, pós pancreatectomia, fibrose cística, hemocromatose) 
  3. DM induzido por drogas (como glicocorticoides, imunossupressores, terapia antirretroviral ou antipsicóticos, entre outros) 
  4. Pós-transplante 

 Diabetes Mellitus Gestacional (DMG)  

O diabetes gestacional (DMG) é definido como um estado de hiperglicemia na gestação, comumente diagnosticado no 2º/3º trimestre em pacientes sem diagnóstico prévio de diabetes. 

Obs: existem, ainda, outras causas (mais raras) de diabetes que não serão o escopo do texto, mas vale lembrar a sua existência. São exemplos: diabetes mitocondrial (Ex.: Síndrome de Wolfram, caracterizada pela concomitância de DM2, diabetes insipidus, atrofia óptica e surdez); “Diabetes propenso à cetose” (Flatbush diabetes), sendo que esta entidade ainda não é bem definida quanto à sua causa, parecendo se tratar de um espectro de maior gravidade de pacientes com DM2 que evoluem com perda acentuada de células beta-pancreáticas de forma precoce; e as lipodistrofias.  

Subtipos específicos e relevantes: MODY e causas especiais de diabetes  

MODY  

O Maturity Onset Diabetes of the Young (MODY) é um conjunto de alterações genéticas que acometem enzimas importantes para a secreção de insulina pela célula beta-pancreática. O MODY é uma doença autossômica dominante, com forte presença de história familiar e constitui cerca de 3,7% dos diagnósticos de DM em menores de 30 anos e cerca de 1-2% de todas as causas de diabetes.   

Devemos suspeitar em pacientes jovens, com antecedente familiar de DM, sem características de DM1 (como por exemplo necessidade de tratamento com insulina, cetoacidose, autoanticorpos negativos e peptídeo-C persistentemente dosável) e sem características de DM2 (obesidade, acantose nigricans). Nessas condições, podemos utilizar o MODY calculator e se o valor for maior ou igual a 60% de chance, devemos solicitar o teste genético, sendo o painel o mais indicado. 

Leia também: Qual o melhor antiagregante no longo prazo em pacientes diabéticos com stent?  

Os principais subtipos de MODY são:  

MODY GCK  

O MODY GCK é causado por uma mutação na enzima glicoquinase. A função desta enzima é fosforilar a glicose que entra na célula beta-pancreática, formando glicose-6-fosfato. A partir dessa reação, outras reações em consequência acontecerão, o que culminará na secreção de insulina. Como a mutação gera apenas uma “lentificação” no funcionamento da GCK, a consequência acaba sendo uma leve hiperglicemia de jejum, estável, não progressiva e que não gera complicações a longo prazo.   

Portanto, pacientes com MODY GCK precisam de diagnóstico, aconselhamento genético, porém não é necessário qualquer tipo de tratamento medicamentoso. É a forma mais prevalente de MODY no Brasil, respondendo por cerca de 81% dos casos.  

MODY HNF1α  

O MODY HFN1α é a forma mais comum nos Estados Unidos da América e a segunda causa mais comum no Brasil. Esta forma também tem grande importância clínica pois diferentemente do anterior, é progressivo e tem maior incidência de complicações microvasculares, além de maior risco de doenças cardiovasculares. O diagnóstico molecular é importante pois estas formas respondem brilhantemente ao uso de sulfonilureias em baixas doses.

Causas especiais de diabetes  

Vale a pena destacar que alguns dados básicos na anamnese podem nos ajudar a diferenciar etiologias importantes de diabetes e cujo manejo pode diferir. Devemos nos atentar a: 

  • Pancreatite crônica – episódios repetidos de pancreatite aguda, etilismo, esteatorreia 
  • Hemocromatose – Elevação de ferritina 
  • Uso de antipsicóticos atípicos, como clozapina, risperidona e olanzapina 
  • Pacientes com HIV e uso de TARV – Inibidores de protease como ritonavir e ITRNs 
  • Pacientes transplantados e uso de imunossupressores – Inibidores de calcineurina, sobretudo tacrolimus e ciclosporina e sirolimus (inibidor da mTOR) 
  • Uso de glicocorticoides e/ou sinais de Doença de Cushing  

Como diferenciar DM1 e DM2?  

As principais características de cada subtipo estão resumidas no quadro a seguir. No entanto, vale sempre destacar que a suspeição de resistência insulínica e, portanto, DM2 deve ser maior em jovens com obesidade ou sinais como acantose nigricans. Vale lembrar que a cetoacidose, apesar de incomum, também pode acontecer em pacientes com DM2 sobretudo em situações de estresse metabólico como IAM, infecções, uso de drogas ou ainda em vigência de uso de inibidores de SGLT-2.  

Característica  DM1  DM2 
Idade  < 35 anos*  Idade variável 
Status nutricional  IMC < 25; perda de peso ao diagnóstico  Sobrepeso ou obesidade 
Glicemia  > 360 mg/dL ao diagnóstico  Variável 
Comorbidades  Outras doenças autoimunes como Hashimoto, vitiligo  Acantose nigricans, Síndrome metabólica 
Exames  Pep C < 0,6 (com glicemia de jejum concomitante > 140 mg/dL), AutoIgs +) Peptídeo-C dosável durante os primeiros anos, autoIgs negativos 

 *Fala mais a favor, porém é importante lembrar que DM1 pode surgir em qualquer idade. O uso de inibidores de checkpoint para o tratamento de diversos tipos de câncer tem aumentado a incidência de endocrinopatias autoimunes, inclusive DM1.  

Veja ainda: Cetoacidose diabética e EHH: revisão e fluxograma de manejo

Conclusão 

A importância de se esclarecer a causa do diabetes vai desde a possibilidade de se predizer o risco de complicações, passa por entender qual melhor tratamento propor e continua com o valor na educação sobre a doença aos próprios pacientes. Como podemos ver, entender a causa do DM pode trazer um grande impacto na vida de quem recebeu tal diagnóstico. 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • ElSayed NA, Aleppo G, Aroda VR, Bannuru RR, Brown FM, Bruemmer D, Collins BS, Hilliard ME, Isaacs D, Johnson EL, Kahan S, Khunti K, Leon J, Lyons SK, Perry ML, Prahalad P, Pratley RE, Seley JJ, Stanton RC, Gabbay RA, on behalf of the American Diabetes Association. 2. Classification and Diagnosis of Diabetes: Standards of Care in Diabetes-2023. Diabetes Care. 2023 Jan 1;46(Suppl 1):S19-S40. DOI: 10.2337/dc23-S002. Erratum in: Diabetes Care. 2023 Feb 01;: PMID: 36507649; PMCID: PMC9810477. 

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