Técnica inovadora preserva rim com tumor urotelial do trato superior

Uma técnica inovadora que preserva os rins dos pacientes com tumor urotelial do trato superior é a grande aposta de pesquisadores.

Uma técnica inovadora que preserva os rins dos pacientes com tumor urotelial do trato superior é a grande aposta de pesquisadores do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center (MSKCC), em Nova York, que tem na equipe um médico brasileiro.

O resultado promissor levou a FDA, agência reguladora americana, a autorizar a realização de estudo de fase 3, sem a necessidade de realização da fase 2. A nova fase do estudo da Terapia Fotodinâmica com Alvo Vascular (VTP, em inglês) começa em abril e vai envolver 20 centros localizados nos Estados Unidos, Europa e Israel.

O urologista mineiro Lucas Nogueira, que é um dos responsáveis pela pesquisa realizada pela MSKCC, onde é pesquisador visitante, conta como funciona este novo tratamento em entrevista ao Portal de Notícias da PebMed.

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“Estamos nos baseando no desenvolvimento de uma nova terapia fotodinâmica utilizando a padeliporfina (WTS11, na sigla em inglês), uma substância fotossensibilizante derivada da clorofila com sensibilidade à luz laser em comprimentos de onda entre 750 nm e 755 nm. Após administração intravenosa, a WTS11 tem distribuição extravascular mínima, permanecendo na corrente sanguínea em altas concentrações. Uma vez exposta à luz do laser, a substância é ativada, levando a cascata de reações químicas restritas ao compartimento vascular que culmina na liberação de altas doses de radicais livres de oxigênio (superóxido e radicais hidroxila) responsáveis pelo dano endotelial e oclusão da vascularização tumoral, com consequente necrose da área iluminada. Desta forma, há destruição somente da área iluminada, com preservação do restante do tecido, seguindo a tendência da preservação de órgãos, mantendo a eficácia oncológica.”, explica Lucas Nogueira, que também é diretor científico da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) e coordenador de Pesquisa Clínica em Urologia no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O pesquisador esclarece que a técnica utilizada gera uma espécie de “infarto” na região afetada. O tumor necrosa e desaparece em um período de até 30 dias

Técnica inovadora preserva rim com tumor urotelial do trato superior

Tumor urotelial do trato superior

Sem dados exatos sobre sua incidência no Brasil, visto que muitas vezes é contabilizado junto ao câncer de rim, o câncer urotelial do trato alto é duas vezes mais comum em homens, sendo responsável por 5% a 10% dos cânceres do trato urinário, principalmente a partir dos 60 anos.

Entre os principais fatores de risco estão tabagismo, história de câncer de bexiga e exposição ocupacional a agente químico (petroquímica, plástico, tinta) e ser portador da síndrome de Lynch.

O câncer urotelial de trato alto é assintomático, sendo descoberto muitas vezes devido ao aparecimento de hematúria. Dor no flanco, provavelmente devido à obstrução da urina, é a segunda causa de descoberta da enfermidade. Outros sintomas são aumento da frequência urinária, urgência urinária e dor ao urinar.

O tumor urotelial do trato superior normalmente é tratado por nefrectomia. No entanto, o estudo em fase 1 mostrou evidências promissoras da Terapia Fotodinâmica com Alvo Vascular com agente fotossensibilizador para eliminar o tumor com uma ou, no máximo, duas sessões, sem necessidade de retirada total do rim afetado.

Benefícios do tratamento

O maior benefício deste tratamento é a preservação de órgãos. Nos casos de tumores de trato urotelial alto, a grande maioria dos pacientes é submetida a retirada de todo o rim, mesmo em tumores pequenos. Esta situação pode levar a prejuízos importantes na saúde no futuro, além de comprometer o tratamento de alguns pacientes, que devido a retirada do rim ficam incapacitados de receber o esquema mais adequado de quimioterapia, nos casos em que há necessidade. Nos tumores de próstata, há o benefício de se evitar sequelas importantes do tratamento radical, como a impotência e incontinência”, ressalta Lucas Nogueira.

Os primeiros resultados do estudo foram apresentados no ASCO GU, maior congresso mundial de oncologia genitourinária, que aconteceu de 11 a 13 de fevereiro nos Estados Unidos, no formato on-line.

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O procedimento minimamente invasivo, que pode ser realizado com sedação profunda em ambiente de penumbra, dura cerca de 20 minutos e o paciente segue para casa com a recomendação de não se expor ao sol e se hidratar.

“A substância injetada na corrente sanguínea é fotossensível com atividade entre 30 minutos a uma hora. Mas recomendamos não se expor ao sol por 24 horas. A hidratação serve para eliminação mais rápida da substância pela urina”, complementa o urologista Lucas Nogueira.

Resultados da fase 1

Os dados do estudo de fase 1 mostram que em 64% dos casos o tumor não foi detectado após 30 dias e em 29% foi preciso fazer uma segunda sessão. Dos que fizeram a segunda sessão, 67% tiveram a remissão completa do tumor.

Após 11,5 meses de seguimento, 93% dos pacientes mantiveram o rim que tinha sido afetado pelo câncer e a função renal não foi significativamente afetada.

“Esse resultado é uma esperança muito grande para esse paciente que hoje se vê sem alternativa eficaz para manutenção do rim, visto que muitos deles vão precisar de quimioterapia e, para isso, necessitam de função renal adequada”, observa Lucas Nogueira.

Outro benefício do tratamento é manter uma baixa toxicidade localizada, ao contrário do tratamento endoscópico a laser, que tem alta reincidência do tumor e toxicidade local maior.

“O tratamento em geral foi muito bem tolerado. Os efeitos colaterais observados foram na maioria de intensidade leve, sendo fatiga, hematúria e dor lombar os mais comuns. Houve quantidade muito pequena de efeitos adversos grau III e ausência de efeitos grau IV ou V”, conta Lucas Nogueira.

A única contraindicação é para pacientes com distúrbios de coagulação ou que fazem uso de anticoagulante.

De acordo com o urologista, se esses resultados forem mantidos na fase 3, o tratamento deverá ser avaliado pela FDA para uso na população geral daqui a cerca de três anos.

“É um tratamento que não demanda anos de aprendizagem para ser colocado em prática, pois é realizado por ureteroscópio flexível, equipamento já de conhecimento dos especialistas da área”, diz o pesquisador.

Próxima fase

“Será iniciado em abril a fase 3 do estudo em trato urotelial alto, que recebeu “fasttrack designation” da FDA, baseado nos nossos estudos em fase 1.

Isso significa que haverá uma tramitação especial na FDA, para fins de avaliação. Serão 100 pacientes em centros nos Estados Unidos e Europa, com duração aproximada de dois anos. A previsão de aprovação pelo FDA é a partir de 2024, caso os resultados se confirmem na fase 3. A partir deste momento, acredito que haverá uma disseminação rápida do método, pelos benefícios e facilidade de implementação. Desta forma, acredito que haverá um pedido de aprovação à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tão logo haja a aprovação do FDA”, acredita Lucas Nogueira.

A terapia endoscópica com padeliporfina VTP também está sendo estudada no MSKCC no tratamento de tumores de próstata de risco intermediário, bexiga, esôfago, pâncreas e pulmão. Na Europa já é aprovado para o tratamento de câncer de próstata indolente.

Participação brasileira no estudo 

Para Lucas Nogueira ser pesquisador visitante no MSKCC é uma experiência única. O urologista participa de pesquisas em novos tratamentos e tecnologias em oncologia.

“É muito gratificante essa experiência. Participamos do desenvolvimento de novas terapias que irão beneficiar nossos pacientes no futuro. A experiência se torna ainda mais impactante em um centro como o MSK, onde você é instigado a buscar novos caminhos e tem a disposição financiamento e tecnologia de ponta. A instituição também fornece educação continuada mantendo os pesquisadores na vanguarda da pesquisa oncológica”, relata o brasileiro.

Ele também conta como o profissional médico brasileiro pode conseguir oportunidades no exterior. “Infelizmente, o atual estado da assistência e pesquisa em saúde no Brasil tem feito muitos profissionais brasileiros procurarem outros centros no exterior para desenvolver o seu trabalho. Acredito que há oportunidades em diversas regiões e áreas de interesse. O profissional brasileiro é muito bem visto no exterior, pela sua boa formação e capacidade de técnica. Para quem está interessado, uma boa pesquisa de oportunidades e contato em uma instituição no exterior é o primeiro e mais importante passo”, diz.

Entre os principais desafios e dificuldades na realização deste estudo, Lucas Nogueira destaca como está sendo trabalhar durante a pandemia de Covid-19.

“O maior desafio que enfrentamos foi realizar o estudo durante a pandemia do SARS-CoV-2, o que gerou muitas dificuldades. Nosso centro se localiza em Nova York, uma das cidades mais afetadas no início da doença, mas com esforços conjuntos e grande cooperação conseguimos seguir com danos mínimos ao projeto”, conclui Lucas Nogueira em entrevista ao Portal de Notícias da PebMed.

*Esse artigo foi revisado pela equipe médica da PEBMED

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