ECCMID 2022: infecções de SNC em pacientes imunossuprimidos – manejo dos principais agentes

Continuando sobre infecções de SNC em pacientes imunossuprimidos, a sessão do ECCMID 2022 apresentou considerações patógeno-específicas.

Continuando a discussão sobre infecções de SNC em pacientes imunossuprimidos, a sessão do 32º European Congress of Clinical Microbiology & Infectious Diseases (ECCMID 2022) apresenta algumas considerações patógeno-específicas.

Alguns agentes etiológicos ganham destaque no acometimento do SNC, seja pela gravidade, seja por sua prevalência. A maioria dos quadros é viral, mas infecções por Listeria spp. e Nocardia spp. também podem ser causa de doença neurológica grave em imunocomprometidos. Veja a seguir os destaques apresentados no evento.

Listeria spp.

  • São bactérias intracelulares, transmitidas por meio de ingestão de alimentos.
  • O acometimento do SNC pode se manifestar como quadros de meningite, encefalites (particularmente romboencefalite) ou mesmo abscesso cerebral.
  • São considerados como populações de risco: neonatos, diabéticos, alcoolistas, os com > 50 anos e os imunocomprometidos (LLC, transplante renal, uso de corticoides). Entretanto, 4 a 6% dos casos ocorrem em adultos jovens – com menos de 40 a 50 anos – sem nenhum fator de imunocomprometimento.
  • Os sorotipos Ia, Ib e IVb estão envolvidos em aproximadamente 90% dos casos de infecções invasivas, mas estudos têm demonstrado particular virulência do sorotipo VI.
  • Em relação ao tratamento, o estudo MONALISA mostrou que, em casos de neurolisteriose, a presença de bacteremia e a administração concomitante de dexametasona nas primeiras 24h estiveram associados a maior mortalidade em três meses.
  • Diante disso, há recomendação para, em casos de meningite, manter a prescrição de corticoide, mas suspendê-lo uma vez que Listeria spp. tenha sido identificada como agente.
  • Evidências de estudos observacionais mostram benefício de terapia combinada (aminopenicilinas + gentamicina vs. aminopenicilinas) na redução de mortalidade (31 vs. 48%, respectivamente).
  • Outros estudos observacionais também sugerem superioridade da combinação de aminopenicilinas com SMX-TMP em comparação com monoterapia com aminopenicilinas e superioridade de aminopenicilinas sobre meropenem.

Nocardia spp.

  • São bacilos Gram-positivos que se coram parcialmente pela técnica de Ziehl-Neelsen e que são mais comumente adquiridos via inalação.
  • Os principais fatores de risco para nocardiose são imunossupressão e pneumopatia crônica. Em receptores de transplante de pulmão, a ausência de profilaxia com SMX-TMP também é um fator de risco para doença.
  • Em receptores de transplante de órgão sólido, apresenta-se tardiamente, tipicamente nos primeiros 1 a 2 anos pós-transplante. Em transplantados de pulmão, a mediana de apresentação é de 9,4 meses.
  • Tipicamente, manifesta-se com sintomas respiratórios indolentes/subagudos e lesões nodulares irregulares no pulmão.
  • Apesar de os pulmões serem comumente a porta de entrada, disseminação hematogênica é comum, podendo acometer SNC, adrenais, rins, ossos e articulações. Estima-se que 20 – 71% de pacientes transplantados com nocardiose desenvolvem doença disseminada.
  • O acometimento do SNC está associado a uma alta taxa de mortalidade (10 – 55%). A apresentação é na forma de abscessos cerebrais únicos ou múltiplos.
  • O diagnóstico pode ser difícil, necessitando de identificação em cultura, que pode ser em amostras respiratórias ou de tecido. Alguns fatores podem contribuir para a dificuldade no diagnóstico: os bacilos podem ser inicialmente identificados como BAAR positivos (levando ao diagnóstico de micobacteriose), a necessidade de tempo prolongado para crescimento em cultura (2 a 3 semanas) e o fato de Nocardia spp. poder ser um colonizador do trato respiratório.
  • O diagnóstico de nocardiose pulmonar deve levar à investigação de doença disseminada. Nesse processo, a realização de RNM de SNC é considerada essencial.
  • O tratamento empírico deve incluir pelo menos duas drogas, sendo o esquema mais frequente composto da associação de imipenem e amicacina com ou sem SMX-TMP. A duração do tratamento é de pelo menos 12 meses, com resolução radiológica mandatória das lesões.

JC vírus

  • Após infecção, cerca de 50% das pessoas persistem com o vírus de forma latente no trato urinário.
  • A reativação do vírus JC pode levar a quadros de leucoencefalopatia multifocal progressiva (LEMP). Em receptores de células hematopoiéticas, a doença tipicamente se desenvolve cerca de 11 meses após o transplante.
  • Fatores de risco incluem baixa contagem de linfócitos T-CD4 e uso de medicamentos anti-CD20 e fludarabina.
  • O quadro clínico pode envolver alteração mental, sintomas visuais, paresia e ataxia. Exames radiológicos tipicamente evidenciam lesões multifocais em substância branca que não captam contraste e que não se relacionam com territórios vasculares.
  • Além do quadro clínico e radiológico, PCR e biópsia cerebral são ferramentas que podem auxiliar o diagnóstico. O papel da sorologia e de índices de anticorpos intratecais é incerto.
  • LEMP está associado a um prognóstico ruim e a alta mortalidade. O tratamento é prioritariamente a redução da imunossupressão do paciente, mas terapias como interferon-alfa, citarabina, mefloquina, cidofovir e mirtazapina têm sido avaliadas.
  • Um pequeno estudo com 8 pacientes mostrou benefício com uso de pembrolizumabe, um anticorpo monoclonal que induz a redução na expressão de PD-1, uma proteína associada a apoptose em células do sistema imune e que está super expressa em casos de LEMP. Dos 8 pacientes incluídos, 5 apresentaram melhora clínica com o uso de pembrolizumabe. As principais limitações desse trabalho são o pequeno número de pacientes e a ausência de um grupo controle.

EBV

  • A infecção pelo EBV pode se apresentar de diversas formas clínicas, com quadros variando desde meningite viral leve e autolimitada a quadros de encefalite, passando por paralisia de nervos cranianos ou neuropatia periférica, síndrome de Guillain-Barré ou mielite transversa.
  • A análise do LCR pode mostrar poucas alterações, com pleocitose baixa (5 – 50 células), aumento leve de proteína e glicorraquia normal.
  • A infecção por EBV também está associada a outras condições neurológicas, como linfomas de SNC e doença linfoproliferativa pós-transplante (DLPT). A última pode se apresentar com um quadro clínico leve, com febre e adenopatia, mas tem potencial para evolução para linfomas de células B e proliferação em diferentes órgãos. A mortalidade associada nesses casos é alta, variando de 40 a 60%.
  • O tratamento é basicamente de suporte, com manejo adequado de fluidos, suporte respiratório e anticonvulsivantes. O uso de corticoides e imunoglobulina é controverso.
  • Aciclovir vem sendo utilizado de forma compassionada em pacientes gravemente imunossuprimidos, mas não há evidências de que haja benefício com seu uso.
  • Para o tratamento de DLPT, a forma de doença é importante para determinar o tratamento. Nas formas policlonais, a base está na redução da imunossupressão. Já nas formas monoclonais, outras terapias podem ser instituídas, como quimioterapia, rituximabe ou irradiação de SNC.
  • Para o tratamento de linfomas de SNC, o uso de corticoides e metotrexato está indicado.

CMV

  • As manifestações da infecção por CMV podem variar de quadros de polirradiculite a encefalite, podendo apresentar-se também como síndrome de Guillain-Barré e mielite transversa.
  • CMV pode permanecer latente nas células dendríticas mieloides, podendo disseminar-se por via hematogênica para o plexo coroide – causando ventriculite necrotizante – ou para células endoteliais – causando encefalite difusa.
  • Em casos de ventriculoencefalite, a análise do LCR pode ser normal com PCR positivo para o vírus. Imagens de RNM classicamente evidenciam ventriculite com realce ependidimal. Contudo, em casos de ventriculite franca, o LCR pode estar dramaticamente alterado, com leucócitos > 1000, predomínio de polimorfonucleares e hipoglicorraquia.
  • Encefalite micronodular difusa multifocal foi descrita inicialmente como demência em pacientes com HIV, com alguns relatos também em receptores de transplantes de órgãos sólidos. Avaliações de autópsia raramente encontram inflamação ou os corpúsculos de inclusão intranucleares típicos de infecção pelo CMV.

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