ENDO 2022: Tratar hipotireoidismo com levotiroxina é suficiente

A levotiroxina é considerada o tratamento padrão do hipotireoidismo por ser uma forma de tratamento segura, eficaz, de fácil administração.

O hipotireoidismo é uma das doenças crônicas mais comuns, acometendo cerca de 5% da população norte-americana. Uma discussão comum no tema é a persistência de sintomas mesmo após o controle adequado da condição, com níveis de TSH dentro do alvo. No ENDO 2022, congresso da Endocrine Society, um conjunto de especialistas formulou hipóteses e compartilhou um compilado de evidências sobre a situação atual do tratamento do hipotireoidismo.

levotiroxina

Standards of care: o padrão atual e o problema

A levotiroxina é considerada o padrão por ser uma forma de tratamento segura, eficaz, de fácil administração, baixo custo e com baixos índices de efeitos colaterais. O problema, abordado na primeira palestra pela Dra. Jacqueline Jonklaas, é que nem todo mundo está satisfeito com seu tratamento. Cerca de 9 a 14% dos pacientes (ou mais, em alguns levantamentos) apresentam persistência de sintomas como cansaço excessivo, dificuldade no controle de peso, sonolência, déficits de memória, mesmo com tratamento adequado, ou seja, com TSH dentro do alvo. 

A primeira dificuldade com o tratamento é atingir um alvo de TSH. Em dados de estudos que avaliam o controle do hipotireoidismo, cerca de 15 a 20% dos pacientes tratados com levotiroxina estão em hipertireoidismo, 15 a 20% em hipotireoidismo e apenas 60 a 70% em eutireoidismo. Esta já não é uma tarefa fácil, quanto mais adequar os hormônios a um nível pessoal. Mas este é um desafio que pode auxiliar muitas pessoas. 

É sabido que cada indivíduo tem um nível de TSH ótimo, variável. A partir de um pool de dados, se estabelece um valor de normalidade, porém um TSH de 4,0 pode ser adequado para um, enquanto para outro, um TSH de 1,0 pode ser o necessário, e isso é extremamente difícil de se perceber e adequar. Ainda, dados de estudos advindos de pacientes tireoidectomizados mostram que existe uma maior proporção na concentração de T4 livre e na relação t4l/t3l em pacientes que estão repondo levotiroxina do que em eutireoidianos. Em pacientes utilizando T3 (uma opção nos EUA), os níveis de T3 fazem pico após a ingestão e reduzem após, diferente do que acontece em quem é eutireoidiano.

Possíveis causas para a persistência de sintomas

Existem diversas explicações e teorias. É provável que não exista uma única resposta, mas a Dra Jonklaas elenca algumas possibilidades: 

  • Nível individual de TSH adequado não atingido (comentado acima) 
  • Autoimunidade de base coexistente – Um processo crônico que gera sintomas de forma independente à tireoide 
  • Outras causas/comorbidades que justifiquem os sintomas
  • Expectativa inadequada com o tratamento e frustração 
  • Hipotireoidismo tecidual – Existem polimorfismos descritos na Deiodinase tipo 2, que converte T4 em T3 e portanto, poderia haver uma redução nos níveis teciduais de T3. Os polimorfismos também poderiam afetar a TBG, proteína transportadora. 
  • Saber que possui uma doença crônica – Um estudo comparou pacientes com hipotireoidismo que não sabiam que tinham a doença versus pacientes com diagnóstico conhecido e foi observado um risco 44% maior de pior qualidade de vida em quem sabia possuir o diagnóstico de hipotireoidismo.

Intervenções possíveis

Aumentar a atividade física e melhora da dieta são formas simples e postuladas para o controle de grande parte desses sintomas. Vale lembrar, por exemplo, que a função tireoidiana tem um impacto muito pequeno e muito menor do que o esperado pela população em peso e composição corporal. Porém, um ponto importante abordado pelo palestrante seguinte, Dr. Marco Medici (Erasmus Medical Center, Holanda), é o uso de T3 e terapias combinadas.

T3: existe alguma situação em que devemos repor?

Fisiologicamente, faz muito sentido. A primeira postulação feita pelo Dr. Medici é que 80% do T3 tem origem periférica, pela conversão de T4 em T3 através da D2, porém cerca de 20% do hormônio vem da produção direta da tireoide. Logo, quando partimos do pressuposto que estamos realizando uma reposição hormonal devido à disfunção tireoidiana, o fisiológico seria a reposição tanto de T4 como T3, produtos da tireoide.  

Para suprir essa suposta “falta” de T3, um tratamento em combinação pode auxiliar? Para isso, o Dr Medici trouxe um panorama a respeito dos principais estudos no assunto. 

Em primeiro lugar, estudos experimentais em ratos mostram que os níveis de T3 teciduais parecem se adequar apenas quando há reposição combinada de T3 e T4. Trazendo para a prática, diversos estudos tentaram avaliar a resposta ao uso do hormônio e desfechos clínicos. O primeiro grande ensaio clínico randomizado (RCT), publicado em 99 no NEJM, mostrou que a terapia em combinação poderia reduzir a sensação de cansaço. Problemas: um N de 33 participantes, tratamento por apenas duas semanas, uma vez ao dia. Trazendo até os dias atuais, cerca de 18 RCTs foram realizados avaliando o assunto, porém quase todos com problemas metodológicos e incapazes de responder de forma adequada a essa pergunta: vale a pena ou não repor T3?

Os problemas envolvendo os estudos é que são heterogêneos entre si, com grande variabilidade de período estudado mas nenhum de longo prazo, maioria com N pequeno, tomando uma vez ao dia (que não parece ser a forma de atingir a melhor área sob a curva de duração e concentração de T3), utilizando questionários não validados de qualidade de vida, inclusão de pacientes que originalmente já estavam bem controlados com o tratamento apenas com levotiroxina, com razão T3/T4 já elevada. Ou seja, boa parte deles com uma população selecionada que não era capaz de demonstrar diferenças no tratamento. 

Em 2021 foi publicada uma metanálise na Thyroid desses estudos, que obviamente, não viu diferenças no uso de apenas levotiroxina ou no tratamento combinado. Com base nesses dados, a recomendação atual da ATA (American Thyroid Association) e ETA (European Thyroid Association) é de que não há evidência suficiente que justifique um tratamento com T3. No entanto, a ETA ainda sugere que é possível fazer um trial, acompanhado pelo especialista, do uso da terapia combinada e avaliação dos sintomas.  

O Dr Medici aproveitou para destacar o estudo T3-4 hypo trial, que foi desenhado como um estudo multicêntrico holandês, que vai avaliar cerca de 600 pacientes com hipotireoidismo em tratamento há mais de seis meses, com TSH no alvo e sintomas não controlados e que serão randomizados para tratamento combinado vs. monoterapia com LT4. Em alguns anos, teremos um grande estudo com uma boa resposta para o assunto. 

Conclusões

No momento, as evidências apontam para o tratamento exclusivo com levotiroxina, porém não podemos descartar que em breve surjam novidades e dados que mostrem cenários onde o T3 possa ter seu papel. Vale lembrar no momento que não existe nenhuma formulação comercialmente disponível de T3 no Brasil aprovada pela Anvisa, o que limita ainda mais, já que pequenos erros em concentração em sua manipulação podem gerar grandes variações na função tireoidiana e a chave para o controle hormonal adequado é estabilidade do TSH.

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