Osteoporose: o que o clínico deve saber?

O diagnóstico clínico da osteoporose consiste na identificação de uma fratura por fragilidade em um contexto clínico apropriado.

A osteoporose é uma doença esquelética sistêmica, que se caracteriza pela redução da densidade mineral óssea e alteração microarquitetural, levando à fragilidade óssea e aumento no risco de fraturas. As fraturas por insuficiência são aquelas que ocorrem por baixo impacto ou espontaneamente e são definidoras da osteoporose. 

A osteoporose pode ser classificada em primária (pós-menopausa, que responde por 95% dos casos nas mulheres, e senil, que corresponde a 70-80% dos casos nos homens), secundária (com uma etiologia conhecida, como a corticoterapia crônica ou hiperparatireoidismo) e idiopática (osteoporose que ocorre na infância ou adolescência com função gonadal normal, sem outras causas).  

Além disso, ela também pode ser classificada como densitométrica, quando identificada através de densitometria óssea, ou estabelecida ou grave, na presença de fraturas por fragilidade. 

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osteoporose

Epidemiologia 

Estima-se que a probabilidade de fratura ao longo da vida seja de 40-50% em mulheres >50 anos e 13-22% em homens >50 anos. O custo mundial das faturas está projetado para a casa dos 17 bilhões de dólares no ano de 2025, com tendência de aumento com o incremento na expectativa de vida. Estudos brasileiros como o BRAZOS e SPAH sugerem uma prevalência menor de fraturas na população brasileira, girando em torno de 15-20% em ambos os sexos. 

Os diferentes tipos de fraturas são capazes de causar alta morbidade e letalidade. Dos pacientes que sofrem fraturas de quadril, 40% não deambulam no primeiro ano, 60% precisam de ajuda em pelo menos uma atividade básica de vida diária e 80% não realizam pelo menos uma atividade instrumental de vida diária. Com relação à letalidade, 8% dos homens e 3% das mulheres morrem durante a internação hospitalar para sua correlação; as taxas de letalidade são ainda maiores com 1 ano de seguimento, acometendo 36% dos homens e 21% das mulheres (25% atribuídas à osteoporose e 75% atribuídas às comorbidades).

Com relação às fraturas vertebrais, pacientes com múltiplas fraturas apresentam dor, cifose e limitação funcional; também se associam com aumento da mortalidade, em menor proporção que as fraturas de quadril. Cerca de 50% dos pacientes que fraturam o antebraço apresentam disfunção nos primeiros 6 meses. 

Um dado interessante é que fratura prévia aumenta o risco de nova fratura em duas vezes. Esse risco é ainda maior no primeiro ano após a fratura (risco iminente de fratura). Pacientes com histórico de fratura nos pais e aqueles caidores crônicos também possuem um risco aumentado de fraturas. Além disso, estudos populacionais demonstram que a maioria das fraturas ocorre em pacientes na faixa de osteopenia à densitometria óssea, reforçando o papel da alteração microarquitetural na gênese das fraturas. 

Etiopatogênese 

A etiopatogênse da osteoporose é multifatorial e envolve fatores genéticos, constitucionais do indivíduo (modificáveis ou não) e ambientais. 

Dentre os fatores de risco não modificáveis para osteoporose, temos o sexo feminino, idade >60 anos, baixa estatura, etnia branca, história familiar de osteoporose/fratura e menopausa. Já os fatores de risco modificáveis incluem o baixo peso (<58 kg ou IMC <19), o baixo consumo de cálcio e vitamina D, sedentarismo, tabagismo, etilismo (≥3 doses por dia), entre outros. A corticoterapia prolongada (e outros medicamentos), as artropatias inflamatórias e diversas outras doenças endócrinas, gastrointestinais, hematológicas, neurológicas e renais também são importantes fatores de risco. 

Os diversos fatores envolvidos vão concorrer para um desbalanço entre o acúmulo de massa óssea e a perda, com predomínio desta última, resultando na redução da densidade mineral óssea e alteração microarquitetural características da osteoporose. Diversos fatores genéticos e ambientais agem diminuindo o pico de massa óssea, que é atingida por volta dos 40 anos, favorecendo a osteoporose futura. Após esse pico, existe uma queda progressiva na massa óssea em todos os indivíduos, fenômeno que é intensificado nos primeiros anos pós-menopausa, justificando uma maior prevalência no sexo feminino.  

Fisiopatologia

O esqueleto é um órgão dinâmico. Os diversos elementos celulares (osteoblastos, osteoclastos, osteócitos mecanossensíveis) estão em constante atividade, com o objetivo de corrigir alterações estruturais que possam surgir, além de possuírem função endócrina, relacionada ao metabolismo do cálcio. Esse equilíbrio dinâmico do osso sobre influência de diversos fatores hormonais, como o PTH, vitamina D, estrogênio e FGF23. 

Na osteoporose, como mencionado anteriormente, ocorre um desbalanço entre a reabsorção e a formação óssea, levando à redução da massa óssea. De modo geral, cada elemento celular do osso possui um papel específico nesse processo. O osteoclasto é uma célula derivada dos macrófagos que realiza o processo de reabsorção óssea.

A ativação dos osteoclastos através da via RANK/RANKL/osteprotegerina é o primeiro passo para se formar a unidade de remodelamento ósseo. Posteriormente, esses osteoclastos sofrem apoptose e ocorre a ativação do osteoblasto, célula responsável pela formação óssea na lacuna de reabsorção, através da via Wnt/DKK-1/esclerostina. Esses processos são acoplados temporal e espacialmente e sofrem influência da sobrecarga mecânica exercida sobre os osteócitos mecanossensíveis. 

Quando fatores genéticos constitutivos ou ambientais determinam uma preponderância da osteoclastogênese em relação à osteoblastogênese, surge a osteoporose. 

Quadro clínico

A osteoporose é assintomática até a ocorrência de fraturas por fragilidade, que geralmente afetam o quadril, corpo vertebral, rádio distal e úmero. Fraturas por fragilidade são aquelas que ocorrem com trauma mínimo, geralmente com queda da própria altura. Fraturas por avulsão, estresse e com maior cinemática de trauma não são consideradas de fragilidade. Na história clínica, devemos investigar a presença de fatores de risco para perda de massa óssea, além de achados sugestivos de causas secundárias. Além disso, é fundamental avaliar o risco de queda e a função física de idoso (idoso frágil). 

A fratura vertebral é a mais frequente, mas apenas 1/3 das pacientes é sintomática. Fraturas sintomáticas cursam com dor, cifose e redução da estatura (>2 cm no último ano ou >4 cm em relação à juventude). A fratura de quadril geralmente acomete pacientes mais idosos, são relativamente frequentes e associadas a quedas; predominam no colo ou na região transtrocantérica, com necessidade de abordagem cirúrgica. Já as fraturas de rádio distal são conhecidas como fraturas de Colles e geralmente acontece após queda da própria altura com apoio da mão no solo. 

Exames complementares

A densitometria é um exame de extrema importância na avaliação de pacientes com osteoporose. Com ela, é possível avaliar a densidade mineral óssea, a presença de fraturas vertebrais (através do VFA) e estimar a qualidade óssea microarquitetural (TBS). As definições para o diagnóstico da osteoporose através da densitometria serão descritas na sessão seguinte. 

De acordo com ISCD (2019), a realização de densitometria está indicada de acordo com os seguintes critérios: (1) mulheres >65 anos, (2) mulheres na pós-menopausa com fatores de risco, (3) homens >70 anos, (4) osteopenia em radiografias, (5) fraturas por fragilidade, (6) pacientes em corticoterapia crônica, (7) hiperparatireoidismo primário, (8) controle de tratamento da osteoporose. 

Após o diagnóstico da osteoporose, é importante realizar a avaliação laboratorial na busca por causas secundárias, para que essas sejam corrigidas. Dentre os exames básicos, destacam-se: hemograma, avaliação renal e hepática, fosfatase alcalina (normal na osteoporose e aumentada na osteomalácia), metabolismo do cálcio (cálcio, fósforo, 25-OH-vitamina D, PTH, calciúria de 24 horas) e função tireoidiana. Exames específicos podem ser solicitados na suspeita de mieloma múltiplo, doença celíaca, hipogonadismo, entre outros. A solicitação de beta-CTX, um marcador de reabsorção óssea, pode ser útil antes do início do tratamento e para acompanhamento. 

Além disso, a solicitação de radiografias da coluna lombar e dorsal (caso o VFA não esteja disponível) é fundamental, uma vez que a maioria das fraturas vertebrais são assintomáticas. Para sua análise na prática clínica, utilizamos a regra semiquantitativa de Genant.  

Saiba mais: Recomendações ACR no tratamento da osteoporose induzida pelos glicocorticoides

Classificação e diagnóstico

O diagnóstico clínico da osteoporose consiste na identificação de uma fratura por fragilidade em um contexto clínico apropriado. Para o diagnóstico densitométrico da osteoporose em mulheres na pós-menopausa e homens acima de 50 anos de idade, a OMS recomenda os seguintes limiares, baseados em desvios-padrões (DP): normal T-escore ≥-1,0; osteopenia T-escore <-1,0 e >-2,5 e osteoporose T-escore ≤-2,5. A osteoporose estabelecida ou grave é caracterizada pelo T-escore ≤-2,5 associada à fratura. 

Para mulheres na pré-menopausa e homens abaixo dos 50 anos de idade, devemos realizar a análise do Z-escore para definir se a densidade mineral óssea está adequada para a idade. Nesses casos, o diagnóstico na densitometria será “baixa massa óssea para a idade” se o Z-escore for <-2,0 DP. Além disso, pacientes que apresentam Z-escore <-2,0 DP também devem ser rastreados mais atentamente para causas secundárias de osteoporose. 

Diagnóstico diferencial

Dentre os diagnósticos diferenciais a serem considerados na osteoporose, devemos nos lembrar das diferentes etiologias para causas secundárias, como o hiperparatireoidismo primário, hipo/hipertireoidismo, síndrome de Cushing, doença renal crônica com osteodistrofia, osteomalácia (incluindo oncogênica), hepatopatia crônica, doença celíaca, hipogonadismo, mieloma múltiplo e uso de medicamentos (corticoides, anticonvulsivantes). Além disso, fraturas espontâneas ou com mínimo impacto podem acontecer em pacientes com neoplasias metastáticas.  

Tratamento 

O tratamento da osteoporose consiste em medidas não farmacológicas e farmacológicas. 

Todo paciente com osteopenia e osteoporose deve ser estimulado a adotar medidas não farmacológicas que auxiliem no aumento da massa óssea, além de corrigir ou eliminar fatores de risco adicionais para osteoporose secundária. É fundamental que esses pacientes mantenham consumo adequado de cálcio (1000-1200 mg/dia dependendo do sexo e faixa etária, preferencialmente pela dieta) e vitamina D (600-800 UI/dia dependendo da faixa etária).

O tabagismo e o consumo de álcool devem ser interrompidos, assim como o desmame e retirada de medicamentos deletérios, caso possível. Além disso, os pacientes devem ser estimulados a realizar exercícios físicos com algum grau de impacto e treinamentos resistivos para ganho de massa muscular, além de tomar banhos de sol.

Pacientes com alto risco de fratura devem ser orientados a evitar movimentos de flexão e torção da coluna, sob o risco de ocorrência de fraturas. A reabilitação desses pacientes deve levar em consideração o estado funcional do idoso (visando melhorá-lo), além de medidas que visam reduzir o número de quedas (por exemplo, fortalecimento e treinamento proprioceptivo, naqueles com déficit). 

O tratamento medicamentoso da osteoporose está indicado nos seguintes casos: osteoporose densitométrica ou estabelecida (com fratura) e osteopenia com alto risco de fratura (estimada através da identificação de um risco de fratura do paciente acima do limiar de intervenção do NOGG, com base nos resultados obtidos através da ferramenta FRAX – disponível em https://abrasso.org.br/calculadora/calculadora/).

Dentre as medicações utilizadas no tratamento, temos: (1) bisfosfonatos (que se ligam com alta afinidade com a hidroxiapatita e inibem a reabsorção óssea), (2) denosumabe (um anticorpo monoclonal que inibe o RANKL, reduzindo a ativação dos osteoclastos e, consequentemente, inibindo a reabsorção óssea, (4) teriparatida (os análogos do PTH, quando utilizados em baixas doses e de maneira intermitente, estimulam a formação óssea) e, mais recentemente, (5) os inibidores da esclerostina (romosozumabe – com a inibição da esclerostina, a via do Wnt é liberada, estimulando a osteoblastogênese, com formação óssea; apresentam um efeito fundação e é o primeiro tratamento a descoplar reabsorção e formação, inibindo a reabsorção e estimulando a formação).

Outras classes de medicamentos, como estrogênios e moduladores seletivos dos receptores de estrogênio (SERMs, como o raloxifeno) ainda podem ser utilizados em contextos específicos, mas sua importância vem declinando (terapia hormonal possui risco de neoplasias e eventos cardiovasculares, enquanto que os SERMs não previnem fraturas não vertebrais e causam sintomas de menopausa). 

A estratégia de tratamento vai depender do risco de fratura. Para pacientes com alto risco, porém sem fraturas prévias, os bisfosfonatos orais são o tratamento de primeira linha, exceto nos casos de disfagia (preferir endovenoso) ou de doença renal crônica (preferir denosumabe). Caso o paciente apresente muito alto risco de fratura (risco iminente por fratura recente ou T-escore <-3,5) ou passado de fraturas, podemos considerar o uso de bisfosfonatos endovenosos (ácido zoledrônico – contraindicado em pacientes com clearence de creatinina estimado <35) ou formadores (teriparatida por até 2 anos ou romosozumabe por até 1 ano – esquema de terapia sequencial, seguidos por um bisfosfonato); no caso de doença renal crônica, preferir denosumabe. 

Os objetivos do tratamento são a estabilidade da densidade mineral óssea (com aumento, se possível) e a redução do risco de fraturas (apesar de não ser possível eliminá-lo). Após um período de tratamento com bisfosfonatos, devemos considerar sua interrupção (drug holiday) com o objetivo de se evitar a supressão exagerada da remodelação óssea (pode levar a fraturas atípicas do fêmur).

Caso o paciente não apresente fraturas, ocorra uma melhora da densitometria (com T-escore >-2,5), o risco de fratura pelo FRAX esteja abaixo do limiar de intervenção e não haja causas secundárias ativas (por exemplo, corticoterapia), podemos considerar a interrupção do tratamento após 5 anos de bisfosfonatos orais ou 3 anos do ácido zoledrônico.

Pacientes em holiday devem ser avaliados periodicamente (a cada 1-2 anos) com densitometria e possivelmente com marcadores de remodelação. Caso haja nova fratura ou redução da densidade mineral acima da variação mínima significativa, os bisfosfonatos devem ser reintroduzidos. Esse conceito não se aplica ao denosumabe, teriparatida ou romosozumabe, visto que a interrupção dessas drogas provocaria uma queda rápida da densidade mineral óssea, a menos que sejam introduzidos bisfosfonatos nos seus lugares.  

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Conclusão

A osteoporose é uma doença extremamente frequente na população geral e é associada à grande morbidade. A sua identificação adequada e o tratamento farmacológico bem indicado podem ajudar na prevenção de fraturas e consequentemente na melhora dos desfechos. 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
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