Vinte erros comuns na prática clínica

A prática clínica é cheia de vícios, condutas e conceitos errados que são levados a diante. Frishman e Willian trouxeram os 20 erros mais comuns na prática.

A prática clínica é cheia de vícios, condutas e conceitos errados que são levados a diante de maneira informal mesmo que não haja nenhuma evidência a respeito. Essa situação é especialmente importante, pois determinadas condutas podem não somente ser desnecessárias como podem, também, causar danos ao paciente configurando má prática clínica.

Nesse sentido, Frishman e Willian trouxeram os 20 erros mais comuns na prática clínica em um artigo, os quais traduzo aqui.

1. Todos os pacientes com troponina sérica elevada tiveram um infarto agudo do miocárdio. 

Um valor elevado de troponina informa ao médico que o paciente teve uma injúria miocárdica. Para chamarmos isto de infarto do miocárdio deve haver evidência clínica de isquemia miocárdica. Existem diversas situações nas quais a injuria miocárdica aguda ou crônica com isquemia não está presente e essas injurias não são consideradas infarto.

2. Todos os pacientes admitidos com o diagnóstico de síndrome coronariana aguda devem receber oxigênio suplementar. 

Existem diversos estudos que documentaram a dano causado pelo oxigênio suplementar quando o paciente apresenta síndrome coronariana aguda e saturação arterial de oxigênio normal. O oxigênio suplementar será apropriado quando a saturação de oxigênio for menor que 90%. 

3. Todos os pacientes se queixando de dor de garganta com faringe hiperemiada e com presença de placas com exsudato devem receber antibióticos para prevenir a febre reumática.

A maioria dos casos de faringite/amidalite são causados por infecções virais, incluindo aqueles com placas com exsudato na faringe e tonsilas palatinas. O uso de antibióticos nesse contexto pode representar desperdício de dinheiro e estímulo a resistência bacteriana.

O antibiótico se torna apropriado quando uma cultura do swab da garganta for positiva para o Streptococcus pyogenes (o antibiótico pode ser dado ate o nono dia de sintoma com sucesso em prevenir a febre reumática).

4. Pacientes que tem uma dor precordial resolvida com o uso de nitrato sublingual tiveram um episódio de angina secundário a doença arterial coronariana. 

Muitos pacientes com dor precordial não secundária a doença coronariana reporta melhora após uso de nitrato sublingual. Em alguns casos isso ocorre devido ao efeito placebo. Espasmos esofagianos causam um desconforto torácico semelhante ao da doença arterial coronariana e pode ser aliviado com nitrato sublingual. 

5. Pacientes com edema e eritema de membros inferiores tem celulite e devem receber antibióticos.

A insuficiência venosa crônica pode facilmente imitar uma celulite, e não responde ao tratamento com antibióticos.

6. Pacientes que estão hospitalizados, recebendo antibióticos venosos, devem permanecer no hospital por um dia após a transição para antibióticos orais.

Estudos têm demonstrado que é seguro mandar pacientes para casa para continuar antibioticoterapia oral contanto que haja evidência de melhora clínica e laboratorial da infecção. 

7. Dor lombar é mais bem tratada com repouso e benzodiazepínicos orais. 

Diversas manobras físicas como manipulação, massagem e acupuntura são tão efetivas quanto o repouso e benzodiazepínicos para aliviar dor lombar e desconforto.  

8. Pacientes com cirrose hepática alcoólica e sangramento gastrointestinal alto mais comumente apresenta ruptura de varizes de esôfago.

A causa mais comum de sangramento gastrointestinal alto em pacientes com cirrose alcoólica é gastrite.

9. Um ecocardiograma é essencial para a decisão de uma cirurgia cardíaca eletiva ou urgente. 

As diretrizes norte-americanas não recomendam o screening ecocardiográfico para esclarecer dúvidas em relação a urgência de cirurgia cardíaca. A história clínica e exame físico são suficientes para isso. 

cadastro portal

 

10. Antibioticoprofilaxia antes de um procedimento dentário não é mais necessária para qualquer condição cardíaca. 

Existe um número de condições cardíacas de alto risco que continuam necessitando de antibioticoterapia profilática antes de procedimento dentário. Um exemplo é a presença de valva protética. 

11. Pacientes com insuficiência cardíaca e creatinina sérica elevada irão invariavelmente mostrar um aumento da creatinina após diurese vigorosa.

Por vezes, o oposto ocorre e a creatinina cai. A explicação seria um rim ingurgitado, relacionado a síndrome cardiorrenal, melhora após diurese vigorosa, fazendo com que a função renal melhore. 

12. Pacientes que desmaiam devem ter um doppler de carótidas afim de procurar estenose carotídea significante. 

A maioria dos casos de síncope esta relacionada à queda abrupta da pressão arterial e não a uma estenose carotídea. Para que a doença carotídea cause sincope as duas carótidas devem estar obstruídas a ponto de estão perfundindo inadequadamente o cérebro ao mesmo tempo, o que é altamente improvável.

13. Todos os pacientes com bacteriúria assintomática (cultura positiva de urina sem sintomas) devem ser tratados com antibióticos. 

As atuais diretrizes não recomendam o tratamento desses pacientes exceto em casos especiais como: gestantes, imunodeprimidos e transplantados renais. 

14. Repouso prolongado é terapêutico para a maioria dos pacientes internados com uma variedade de doenças. 

Repouso prolongado não é a terapêutica adequada para a maioria dos pacientes internados. A recuperação fica atrasada e existe um aumento do risco de trombose venosa, úlceras de pressão e descondicionamento físico. 

15. Todos os pacientes internados devem ter seus sinais vitais aferidos a cada quatro horas.

Esta prática nunca mostrou benefício em desfechos clínicos e contribui para insatisfação do paciente por conta do prejuízo ao sono. 

16. Pacientes que estão tomando estatina não devem ingerir toranja. 

A ingestão de suco de toranja pode interagir com algumas drogas incluindo estatinas. Porém, só se vê aumento dessas drogas no sangue quanto estão em altas doses e raramente se vê um efeito deletério. Uma opção para evitar essa interação será trocar a estatina por fluvastatina ou pravastatina.

17. Pacientes com doença hepática grave, edema periférico e ascite devem ser tratados com baixa dose de espironolactona para ajudar no controle do excesso de retenção hídrica. 

A espironolactona é benéfica nesses casos e deve ser usada em doses maiores para alcançar o máximo benefício. Altas doses podem ser usadas, mas sempre observando o potássio sérico pelo risco de hipercalemia. 

18. Devemos evitar a administração da vacina da gripe com alergia a ovo.  

Dados recentes sugerem que a história de alergia a ovo não é proibitiva para a vacinação anual da gripe. 

19. Infecção de pele devem sempre ser culturadas antes do início de antibioticoterapia. 

A pele possui uma flora bacteriana normal, o que poderia dificultar a identificação de um patógeno específico. Portanto essa prática não é recomendada. 

20. Extrassístoles ventriculares unifocais assintomáticas observadas no exame físico ou no eletrocardiograma requerem tratamento antiarrítmico. 

 Extrassístoles ventriculares são normalmente encontradas em pacientes normais. Não há evidências de que tratar pacientes assintomáticos apresentam benefícios cardiovasculares ou aumentem a sobrevida. Em pacientes sintomáticos, o tratamento pode ser útil. 

Mais do autor: Redução da ingesta alcoólica possui benefício na fibrilação atrial?

Referências bibliográficas:

  • Frishman, William H. et al. Twenty Common Mistakes Made in Daily Clinical Practice. The American Journal of Medicine, Volume 133, Issue 1, 1-3. BMJ 2020;368:l6722

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.