Como reduzir desfechos cardiovasculares em pacientes diabéticos e com DRC?

Dois estudos avaliaram o uso de finerenone em pacientes com DM e DRC em relação a desfechos cardiovasculares e renais e mostraram benefício.

Diabetes mellitus (DM) e doença renal crônica (DRC) são fatores de risco bem conhecidos para doença cardiovascular (DCV) e a presença de ambos no mesmo paciente aumenta o risco de DCV de forma mais importante. 

A prevalência de DRC no mundo é próxima de 9% e quase metade dos pacientes com DRC estágios 4 e 5 apresenta DCV, principalmente doença aterosclerótica coronária (DAC), insuficiência cardíaca (IC) e arritmias. O DM, além de ser fator de risco para DCV, também é fator de risco para DRC, que ocorre em 30-40% dos pacientes diabéticos. 

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A detecção e tratamento precoce dessas doenças tem benefício em redução do risco cardiovascular e o foco sempre foi em intervenção no estilo de vida (dieta, atividade física, perda de peso e cessação do tabagismo) e controle da hiperglicemia, hipertensão e dislipidemia. Apesar disso, ainda resta um risco residual e novos tratamentos, com outros enfoques, vêm sendo desenvolvidos. 

Recentemente foi publicada uma revisão sobre o assunto e os principais pontos encontram-se abaixo. 

diabetes e quadros cardiovasculares

Patofisiologia da DRC no paciente diabético 

DRC é definida como alteração na estrutura ou função do rim por pelo menos três meses. Sua classificação é baseada na causa, categoria da taxa de filtração glomerular (TFG), que varia de G1 a G5, e categoria de albuminúria, que varia de A1 a A3. A associação da relação albumina/creatinina alterada na urina e presença de diabetes estabelece o diagnóstico de doença renal associada ao diabetes, sem necessidade de biópsia. 

A hiperglicemia leva a aumento da formação de produtos finais de glicação avançada, hipóxia, lesão oxidativa, ativação do sistema renina angiotensina aldostestona (SRAA) e aumento da produção de fatores inflamatórios e fibróticos. Isso gera disfunção vascular, fibrose e disfunção endotelial, com muitos alvos possíveis para tratamento. 

Tratamento de pacientes com DRC e DM 

IECA e BRA 

A inibição do SRAA, com uso de IECA ou BRA é tratamento já bem estabelecido. A ativação do SRAA leva a vasoconstrição, reabsorção de sódio, aumento da liberação de noradrenalina, aldosterona e hormônio antidiurético. Se essas alterações ficam mantidas por muito tempo, levam a efeitos deletérios no rim e no sistema cardiovascular.  

IECA e BRA atuam reduzindo a proteinúria e a hipertensão glomerular por meio de dilatação da arteríola eferente, além de bloquearem a inflamação decorrente da ação da angiotensina II e aldosterona, apoptose tubular e fibrose. IECA também melhora o controle metabólico e atenua alterações estruturais no glomérulo. 

Metanálise de estudos com pacientes que usaram IECA ou BRA por DRC de qualquer etiologia mostrou redução de desfechos cardiovasculares maiores (IAM, AVC, internação por IC e morte cardiovascular), e outra metanálise, que incluiu pacientes com estágios avançados de DRC (G3, G4 e G5) encontrou resultados semelhantes com uso de IECA.  

Por outro lado, alguns poucos estudos não encontraram esses benefícios cardiovasculares especificamente no grupo de diabéticos com DRC, o que levantou a hipótese de que o adequado controle glicêmico levaria ao benefício cardiovascular e não o uso de inibidores do SRAA, principalmente na nefropatia diabética em estágio inicial. Mais estudos são necessários para elucidar melhor esses achados. Atualmente, essa classe de medicações está indicada para a maioria dos pacientes com DRC. 

O maior limitante para o uso dessas classes de medicação é o efeito adverso de hipercalemia, pior conforme a disfunção renal progride. Porém, o benefício é maior que o risco e dieta com restrição de potássio, uso de diuréticos de alça e quelantes de potássio podem auxiliar nesse manejo.  

Inibidores do SGLT2 

Os inibidores do SGLT2 atuam inibindo a reabsorção de glicose no túbulo proximal do rim foram desenvolvidos para tratamento de DM tipo 2. Porém, mostraram reduzir o risco cardiorrenal por mecanismos ainda não totalmente esclarecidos, que parecem incluir redução do estresse oxidativo, da inflamação e da demanda metabólica. 

Atualmente estão disponíveis canagliflozina, empagliflozina, dapagliflozina e ertugliflozina. Essa classe de medicações mostrou reduzir desfechos renais, internação por IC, progressão de DCV e mortalidade. A canagliflozina foi avaliada em pacientes com DRC e DM, a dapagliflozina e a empagliflozina em pacientes com e sem DM2. Metanálises posteriormente confirmaram seu benefício e, atualmente, os iSGLT2 estão indicados para pacientes com IC e pacientes com DRC, independentemente de ter DM. 

É classe de medicação segura, porém pode ocasionar depleção de volume e hipoglicemia quando combinada com insulina. Os principais efeitos adversos são aumento de infecção fúngica genital e, mais raramente, cetoacidose euglicêmica. 

Agonistas do GLP-1  

Essa classe de medicações estimula o receptor de GLP-1 e tem efeitos benéficos principalmente na regulação da glicose, redução de peso, redução da inflamação, melhora cardiovascular, neuroproteção e nefroproteção. Existem cinco medicações dessa classe aprovadas, uma oral (semaglutida) e quatro injetáveis (exenatida, lixisenatide, liraglutida, dulaglutida). 

Estudos também mostraram redução de desfechos cardiovasculares e desfechos renais (esses avaliados nos desfechos secundários dos estudos). Atualmente, há um estudo em andamento que avaliará se há associação da medicação com desfecho primário renal. 

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Antagonistas do receptor mineralocorticoide (ARM) 

Os ARM espironolactona e eplerenone são recomendados para tratamento de pacientes com HAS e IC. Seu benefício é consequência do bloqueio dos efeitos pró-fibróticos e pró-inflamatórios da aldosterona. A principal limitação ao seu uso é a hipercalemia, sendo contra-indicados para pacientes com DRC avançada, e efeitos colaterais relativamente frequentes são ginecomastia e sangramento vaginal.  

Em pacientes com DM e DRC, essas medicações não mostraram benefício em desfechos cardiovasculares, porém uma nova classe vem sendo estudada, a classe de ARMs não esteroidais, representada atualmente pelo finerenone. Essa medicação tem afinidade e seletividade distinta pelo receptor mineralocorticoide e consequente perfil clínico e de efeitos colaterais diferentes. O estudo ARTS-HF mostrou potencial benefício do finerenone em pacientes com IC que tinham DRC e/ou DM. As ocorrências de morte, internação por IC e procura do serviço de saúde por IC foram baixas. 

Dois estudos avaliaram o uso de finerenone em pacientes com DM e DRC em relação a desfechos cardiovasculares e renais e mostraram benefício, com redução de morte cardiovascular, IAM não fatal, AVC não fatal e internação por IC, principalmente às custas de redução de internação por IC. Um benefício importante foi a menor ocorrência de hipercalemia com ARMs esteroidais e ausência de ginecomastia.  

Outras medicações dessa nova classe estão em desenvolvimento, como apararenone e esaxerenone estão em estudo. 

Recomendações das diretrizes 

As recomendações das diretrizes de DRC (KDIGO, de 2021) e da atualização do manejo de diabetes de 2022 são: 

  • IECA ou BRA nas maiores doses toleradas em pacientes com DRC e DM ou hipertensão e albuminúria. A meta de PAS pelo KDIGO é < 120mmHg, apesar de outras diretrizes recomendarem valores < 130mmHg; 
  • iSGLT2 para todos com DM2, DRC e TFG ≥ 20 ml/min/1,73m2; 
  • Agonistas de GLP-1 para pacientes com DM2 e DRC que estão fora da meta glicêmica e já em uso de metformina e iSGLT2; 
  • ARM não esteroidais (finerenone) nos pacientes com DM2 e DRC TFG ≥ 25 ml/min/1,73m2, albuminúria ≥ 30 mg/g e potássio normal, já em uso de dose otimizada de IECA ou BRA. 

Em relação aos pacientes com doença cardiovascular aterosclerótica estabelecida as diretrizes recomendam: 

  • IECA ou BRA como primeira linha para tratamento de HAS; 
  • iSGLT2 quando presença de DM2 e múltiplos fatores de risco cardiovasculares ou nefropatia diabética; 
  • Agonistas do GLP-1 em pacientes com DM2 ou alto risco cardiovascular ou DRC ou IC. 

Em relação aos pacientes com IC as diretrizes recomendam: 

  • iSGLT2 para todos com IC com fração de ejeção reduzida ou preservada; 
  • IECA ou BRA ou sacubitril-valsartana para todos com IC; 
  • ARM para todos com IC. 

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Comentários e conclusão 

Pacientes com DM e DRC têm benefício de medicações que alteram desfechos cardiovasculares e renais, que vão além apenas do benefício do controle glicêmico e da hipertensão. 

Os IECA ou BRA, iSGLT2 e ARMs não esteroidais mostraram benefício cardiovascular e renal na população de pacientes com DM e DRC. Os agonistas do GLP-1 também podem ser utilizados, porém ainda não há evidência de benefício em desfecho renal. 

Como essas medicações têm mecanismos de ação diferentes, podem ser utilizadas em conjunto, com possibilidade de um efeito aditivo no benefício. Atualmente, há estudos em andamento com objetivo de avaliar exatamente o uso conjunto dessas medicações, como por exemplo finerenone e empagliflozina. Esses estudos mostrarão se realmente há efeito aditivo na redução de desfechos e do risco residual dos pacientes diabéticos com DRC.  

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Javier Morales, Yehuda Handelsman. Cardiovascular Outcomes in Patients With Diabetes and Kidney Disease: JACC Review Topic of the Week. Journal of the American College of Cardiology, Volume 82, Issue 2, 2023, Pages 161-170, ISSN 0735-1097. DOI: 10.1016/j.jacc.2023.04.052.